sexta-feira, 25 de agosto de 2017

O BORDEL




O BORDEL


 












Eu marcava na ampulheta do tempo a idade mais feliz da minha existência, situada entre os oito e os nove anos de contemplação ao Universo.
A folhinha indicava que estávamos no mês de junho, estação do inverno, quando chuvas copiosas precipitavam-se no sertão, pela bondade de São Pedro, trazendo alegria e prosperidade às populações daquela região frequentemente castigada pela seca.
Os meus avós decidiram permanecer na vila por uma semana, para que pudéssemos assistir e participar dos festejos dedicados a São João.
As beatas, auxiliadas por crianças, engalanavam a humilde igreja para a missa especial a realizar-se no domingo próximo e também por causa da indispensável procissão religiosa dedicada ao venerado santo. Organizavam-se quermesses. As pessoas regozijavam-se.
Na noite de São João acendiam-se fogueiras à frente das casas; cada fogueira mais alta do que a outra, como se houvesse competição. O cheiro de milho verde assando na brasa invadia o espaço, e como era gostoso!
Eu aproveitava esses dias de férias e de alegria para brincar com os meus colegas da escola. Lembro-me, ainda, que a nossa brincadeira preferida era a do “cipozinho-queimado”. Acontecia sempre depois do pôr-do-sol, pois a escuridão era primordial.
Um dos participantes da brincadeira escondia um cinto de couro em algum lugar próximo. Aquele que o encontrasse primeiro tinha o direito de correr atrás dos outros e chicoteá-los. A salvação da provável vítima era a de pôr a mão num santuário previamente determinado. O santuário mais eleito era o cruzeiro erigido na frente da igreja.
O colega que tivesse escondido o cinto orientava-nos na procura, dizendo: está quente, está frio, conforme nos aproximássemos ou nos afastássemos do esconderijo.
Brincava-se até à meia-noite e ninguém protestava se fosse atingido pelo cinto. Mas nós éramos civilizados. As chicotadas eram aplicadas com leveza, para não ferir os amigos.
Então, numa noite escura, eu corria do meu perseguidor e cheguei a uma rua desconhecida que parecia pouco frequentada pelos habitantes do povoado. A minha atenção foi despertada para uma casa pintada de amarelo e vermelho, iluminada por diversos candeeiros, cuja luz bruxuleava e dançava ao sabor do vento que soprava, formando nas paredes estranhos efeitos.
Alegres notas musicais produzidas por um violão escapuliam pelas portas e janelas do imóvel, despertando a atenção dos raros transeuntes.
Movido pela curiosidade – essa coisa estranha que sempre me acompanha –, aproximei-me para tomar conhecimento daquela novidade.
Seguramente, aquela casa causava-me surpresa e alegria. Atingi a porta principal e vi homens e mulheres que entravam e saíam fumando cigarros baratos, rindo alto, aparentemente sem motivo. Outras pessoas encontravam-se sentadas em cadeiras espalhadas na sala; bebiam, expeliam baforadas, falavam alto e, de vez em quando, soltavam gargalhadas próprias de mal-educados.
Algumas mulheres, com pouca roupa e caras exageradamente pintadas de vermelho, dançavam muito agarradas aos fregueses.
Pretendi ingressar na sala por causa da música que agradava aos meus ouvidos. Embora neto de fazendeiro muito conhecido no lugar, fui barrado. Uma velhota gorda, parecendo embriagada, impediu o meu ingresso e com voz de motejo disse-me para eu colocar fralda e ir para casa dormir.
Decepcionado, afastei-me dali protestante, e tateando no escuro embiquei para a minha casa, esquecido da brincadeira que tomava parte.
Inocentemente, entendi de pedir ao meu avô esclarecimentos sobre aquele espetáculo descoberto por acaso, e que me pareceu muito estranho.
Meu avô era, por natureza, de pouca conversa, e puritano. Disse-me apenas que estava proibido de voltar àquela ruela e, principalmente aquela “casa de perdição”. Eu não compreendi o real significado da frase e insisti em obter maiores informações. Com má vontade e voz alterada ele acrescentou que ali era uma “casa de mulheres de vida fácil”, e encerrou o assunto.
Inconformado com as poucas informações recebidas, no dia seguinte encontrei um conhecido, mais velho do que eu, e pedi-lhe, com insistência, que ele me resolvesse aquele enigma, que incomodava a minha curiosidade.
Ele esclareceu-me que aquela casa era um “bordel”, onde homens e mulheres “damas” se reuniam para divertirem-se. Acrescentou outras informações, pelo que fiquei satisfeito.
Logo depois desses acontecimentos regressamos à fazenda, e voltei a preocupar-me, somente, com as minhas obrigações rotineiras.



                                     Edson Valadares


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