O
BORDEL
Eu marcava na ampulheta do tempo a idade
mais feliz da minha existência, situada entre os oito e os nove anos de
contemplação ao Universo.
A folhinha indicava que estávamos no mês
de junho, estação do inverno, quando chuvas copiosas precipitavam-se no sertão,
pela bondade de São Pedro, trazendo alegria e prosperidade às populações
daquela região frequentemente castigada pela seca.
Os meus avós decidiram permanecer na vila
por uma semana, para que pudéssemos assistir e participar dos festejos
dedicados a São João.
As beatas, auxiliadas por crianças,
engalanavam a humilde igreja para a missa especial a realizar-se no domingo
próximo e também por causa da indispensável procissão religiosa dedicada ao
venerado santo. Organizavam-se quermesses. As pessoas regozijavam-se.
Na noite de São João acendiam-se fogueiras
à frente das casas; cada fogueira mais alta do que a outra, como se houvesse
competição. O cheiro de milho verde assando na brasa invadia o espaço, e como
era gostoso!
Eu aproveitava esses dias de férias e de
alegria para brincar com os meus colegas da escola. Lembro-me, ainda, que a
nossa brincadeira preferida era a do “cipozinho-queimado”. Acontecia sempre
depois do pôr-do-sol, pois a escuridão era primordial.
Um dos participantes da brincadeira
escondia um cinto de couro em algum lugar próximo. Aquele que o encontrasse
primeiro tinha o direito de correr atrás dos outros e chicoteá-los. A salvação
da provável vítima era a de pôr a mão num santuário previamente determinado. O
santuário mais eleito era o cruzeiro erigido na frente da igreja.
O colega que tivesse escondido o cinto
orientava-nos na procura, dizendo: está quente, está frio, conforme nos
aproximássemos ou nos afastássemos do esconderijo.
Brincava-se até à meia-noite e ninguém
protestava se fosse atingido pelo cinto. Mas nós éramos civilizados. As
chicotadas eram aplicadas com leveza, para não ferir os amigos.
Então, numa noite escura, eu corria do meu
perseguidor e cheguei a uma rua desconhecida que parecia pouco frequentada
pelos habitantes do povoado. A minha atenção foi despertada para uma casa
pintada de amarelo e vermelho, iluminada por diversos candeeiros, cuja luz
bruxuleava e dançava ao sabor do vento que soprava, formando nas paredes
estranhos efeitos.
Alegres notas musicais produzidas por um
violão escapuliam pelas portas e janelas do imóvel, despertando a atenção dos
raros transeuntes.
Movido pela curiosidade – essa coisa
estranha que sempre me acompanha –, aproximei-me para tomar conhecimento
daquela novidade.
Seguramente, aquela casa causava-me
surpresa e alegria. Atingi a porta principal e vi homens e mulheres que
entravam e saíam fumando cigarros baratos, rindo alto, aparentemente sem
motivo. Outras pessoas encontravam-se sentadas em cadeiras espalhadas na sala;
bebiam, expeliam baforadas, falavam alto e, de vez em quando, soltavam
gargalhadas próprias de mal-educados.
Algumas mulheres, com pouca roupa e caras
exageradamente pintadas de vermelho, dançavam muito agarradas aos fregueses.
Pretendi ingressar na sala por causa da
música que agradava aos meus ouvidos. Embora neto de fazendeiro muito conhecido
no lugar, fui barrado. Uma velhota gorda, parecendo embriagada, impediu o meu
ingresso e com voz de motejo disse-me para eu colocar fralda e ir para casa
dormir.
Decepcionado, afastei-me dali protestante,
e tateando no escuro embiquei para a minha casa, esquecido da brincadeira que
tomava parte.
Inocentemente, entendi de pedir ao meu avô
esclarecimentos sobre aquele espetáculo descoberto por acaso, e que me pareceu
muito estranho.
Meu avô era, por natureza, de pouca
conversa, e puritano. Disse-me apenas que estava proibido de voltar àquela
ruela e, principalmente aquela “casa de perdição”. Eu não compreendi o real
significado da frase e insisti em obter maiores informações. Com má vontade e
voz alterada ele acrescentou que ali era uma “casa de mulheres de vida fácil”,
e encerrou o assunto.
Inconformado com as poucas informações
recebidas, no dia seguinte encontrei um conhecido, mais velho do que eu, e
pedi-lhe, com insistência, que ele me resolvesse aquele enigma, que incomodava
a minha curiosidade.
Ele esclareceu-me que aquela casa era um
“bordel”, onde homens e mulheres “damas” se reuniam para divertirem-se.
Acrescentou outras informações, pelo que fiquei satisfeito.
Logo depois desses acontecimentos
regressamos à fazenda, e voltei a preocupar-me, somente, com as minhas
obrigações rotineiras.
Edson Valadares
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