terça-feira, 3 de outubro de 2017

CONTOS do SERTÃO



A CAIPORA
 


                                    


Os dicionaristas, homens encerrados em gabinetes com ar refrigerado, provavelmente nunca penetraram numa floresta. Mas, apesar das suas limitações no conhecimento do assunto, definem a “caipora”, assim:
“CAIPORA – Ente fictício que habita as florestas e dá azar a quem a encontra”
“SACI-PERERÊ – Entidade imaginária do folclore brasileiro, pretinho de uma perna só, que arma cilada aos viajantes no meio do mato”.
Acredito que caipora e saci-pererê sejam uma só entidade, segundo aprendi, já adulto, quando estudei os mistérios da QUIMBANDA, por necessidade cultural. São eles, em verdade, “exus”, que vivem nas florestas e que deixam em paz as pessoas que lhe dão presentes, nas encruzilhadas, rolos de fumo, do que mais gostam.
As definições citadas são quase perfeitas. Estão errados, no entanto, os termos “ente fictício” ou “entidade imaginária”.
A caipora existe, eu juro!
Para alicerçar essa afirmação, registro aqui os fatos estranhos que aconteceram comigo, na infância.
Eu residia com meus avós numa fazenda muita extensa, cortada por montanhas, rios e florestas.
Numa tarde muito iluminada pelo astro-rei que percorria sua órbita sem pressa, embrenhei-me na mata, com três valentes cachorros, à procura de cabras e ovelhas paridas de novo, fugitivas da fazenda por aberturas feitas pelo tempo nas cercas de arame farpado.
Nesse dia não tive sorte.
A missão foi um fracasso.
Encontrava-me distante da nossa casa, adentrando na floresta, justamente no ponto onde as duas montanhas, que cruzavam a propriedade, encontravam-se, dando a impressão de que se cumprimentavam com mãos invisíveis.
O Sol generoso já havia atingindo a linha do horizonte e começava a recolher seus últimos raios de luz. À vista das primeiras sombras que desciam do céu, a prudência aconselhou-me a regressar, principalmente porque nuvens escuras aproximavam-se, anunciando trovoada.
Chamei os cachorros pelos seus nomes e iniciei o caminho de volta.
O local onde me achava era familiar, porém, repentinamente, senti-me confuso como se estivesse hipnotizado, ficando incapaz de identificar o caminho que deveria tomar.
Os cachorros corriam em círculo, ao redor dos arbustos. Tinham os rabos recolhidos e os pelos hirsutos; latiam nervosamente e ganiam aflitos, como se estivessem sendo chicoteados por entidades invisíveis.
A cena insólita, que eu presenciava pela primeira vez na vida, durou alguns minutos.
Os meus conhecimentos para lidar com aquela situação estranha eram nulos; entretanto, recordei restos de depoimentos ouvidos de velhos e experimentados sertanejos que nos visitavam, e deduzi que estava sendo perseguido pela caipora ou saci-pererê.
Como sempre procedia nos momentos de perigo, principalmente os de natureza sobrenatural, rezei o CREDO, em voz alta, repetidamente, entrecortando as palavras com meu choro.
Deu resultado.
Voltei logo ao estado da razão.
Estimulado pelo medo, comecei a correr. Os cães me seguiam arrepiados e rosnando, revelando terror pela surra que sofreram.
Daí em diante passei a seguir o conselho dos caçadores, as vítimas preferidas das brincadeiras da caipora, que consistia, como já disse antes, em colocar fumo de rolo nas bifurcações do caminho.
Este conto poderia terminar aqui, mas não posso deixar de divulgar, a propósito, a mais fantástica história de caipora de que jamais tive conhecimento, a qual me foi contada, repetidas vezes, pelo meu avô.
Relutei comigo mesmo se deveria registrar esse acontecimento singular, porque parecerá aos sábios e aos incrédulos um relato inverossímil, podendo, inclusive, prejudicar a credibilidade do conto inicial, sobre cuja autenticidade eu “ponho as mãos no fogo”.
Contudo, levando em consideração o fato de que o meu avô mantinha no sertão uma reputação ilibada, de homem sério, que não dava asas à mentira, eu achei correto narrar a esquisita, mas interessante história que ele jurava haver acontecido com um seu cunhado, irmão da minha avó, batizado José.
Esse meu tio era caçador profissional. Especializou-se na caça aos caititus, uma espécie de porco-do-mato, cuja carne, muito saborosa, tinha grande aceitação entre os ávidos consumidores. O seu couro era aproveitado na fabricação de cinturões e de sapatos, e dava-lhe boa renda.
Os porcos, também conhecidos como “queixadas”, habitavam as matas das montanhas que a natureza fez surgir naquela região sertaneja.
O corajoso caçador, para atrair as suas vítimas, abria com a foice uma clareira no centro da mata, onde amarrava, como iscas, pequenos animais – ovinos ou caprinos. Acendia uma fogueira feita de gravetos, para iluminar o ambiente e chamar a atenção dos convivas.
Nas árvores situadas ao redor da clareira ele armava a sua rede, bem no alto, onde ficava deitado, aguardando a chegada das valiosas presas que pretendia matar com sua poderosa espingarda de cartuchos. Essas caçadas foram pródigas durante muitos anos.
Entretanto, a desgraça cedo ou tarde aparece.
Em determinada noite muito escura, após terminados os seus rotineiros preparativos de caça, o meu tio, deitado na rede, sua antiga companheira de aventuras, aguardava os acontecimentos.
De súbito, ouviu fortes grunhidos e surgiu na clareira uma manada de porcos que atacaram a isca, um cabrito, dilacerando-o em poucos minutos com suas presas amoladas.
O caçador sentou-se na rede e apontou sua arma em direção aos animais. A espingarda pipocava, sem cessar; já havia gasto a maior parte de munição sem atingir um só animal.
Caçador experiente que ele era, desconfiou logo de que estava sendo prejudicado pela caipora. Embora fosse homem destemido, corajoso, sentiu na espinha um friozinho de medo. Já era início da madrugada. Para seu espanto, estourou uma gargalhada que foi ouvida em todo o chapadão da montanha e numa voz estridente e cavernosa a Caipora gritava repetidamente: - Vai-te embora bobo, hoje você não mata nada.
O ti José, apavorado, tendo os pelos arrepiados como um porco-espinho, saltou da rede no chão, segurando a espingarda e abandonou no local a rede e outros objetos de caça.
Fugiu em disparada, arriscando a vida nos perigos do trajeto, por causa da escuridão.
Nunca mais ele caçou e morreu um par de anos depois.
Finalmente, aconselho aos ilustres organizadores de dicionários a reverem os seus conceitos e definições sobre a caipora ou saci, pois são “exus” da floresta que realmente existem.








CARNAVAL no SERTÃO

 



 



Década de 1930. No jornal “O Globo” de hoje, leio noticiário sobre os carnavais, principalmente os carnavais do Rio de Janeiro, essa metrópole ao mesmo tempo céu e inferno.
E ao meu cérebro acorreram pensamentos memorialistas.
Lembrei-me de que no meu livro “Memórias do Sertão” eu não disse uma palavra sobre o carnaval que acontecia no povoado Samambaia, essa Babilônia da minha infância!
Como seria a festa numa comunidade que contava umas 500 almas e talvez 1.000 visitantes?
Faço um enorme esforço de memória para me recordar dos acontecimentos carnavalescos nos idos daquela época.
As fantasias eram pobres e sem grande imaginação.
Lembro-me das mais comuns:
Homens travestidos de mulheres, máscaras e índios.
As brincadeiras mais comuns praticadas pelos foliões consistiam no uso de um urinol que o fantasiado, ou grupos de fantasiados, atiravam ao público: Confetes, balas (doces), etc., fingindo que o conteúdo fosse excrementos.
Eu tinha um medo terrível dos mascarados, a quem também se conhecia por “caretas”.
O carnaval de rua se limitava ao que foi dito.
Havia, contudo, bailes de carnaval nas residências das famílias melhor afortunadas, inclusive na casa de meu avô. Estandislau Carlos Borges de Almeida, um dos fazendeiros mais conhecidos e respeitados daquela região.
Meu avô me contava as estranhas histórias que aconteciam durante o reinado de Momo. Lembro-me de poucas.
Um homem desconhecido na localidade foi assassinado com arma branca por um grupo de mascarados trajando vestes femininas.
Outro mascarado descobriu a esposa traindo-o, e para “lavar” a honra matou o casal traidor.
Mascarados invadiam as residências para comer e roubar.
Moças eram estupradas.
O pequeno destacamento policial via-se impotente para manter a ordem e a paz.
Agora, ponho-me a “matutar” e compreendo que não é novidade a violência que se verifica nos carnavais atuais.
A violência sempre existiu, porque o homem é o mesmo animal, ontem ou hoje.


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