UM
SERTANEJO EM APUROS NA ALEMANHA
No ano de 1956 a PETROBRAS fazia seleção para o
cargo de Contador.
Nessa época eu era sub-Contador da Metro Goldwyn Mayer do Brasil.
Inscrevi-me no concurso juntamente com 100
outros candidatos, muitos deles (eu soube depois), Contadores de empresas
importantes do Rio e de São Paulo.
No primeiro exame (oral) a maioria dos
participantes foi eliminada.
Após o silencio de alguns meses, o meu telefone
tocou. Ouvia a voz suave e característica de uma jovem carioca que me convidava
para ir à PETROBRAS, em determinado dia e hora, para fazer prova escrita.
Surpreendi-me com esse convite, devido ao logo tempo decorrido.
O prazo fixado para esta segunda prova foi de
duas horas.
Os candidatos receberam um balanço para
analisar, apurar o resultado do exercício financeiro e propor à Diretoria a
forma de distribuição do resultado, se positivo, emitindo um relatório.
Seguiu-se mais um longo silêncio.
Quase um ano já decorrido desde a prova inicial
eu já havia perdido a esperança de ingressar no quadro de pessoal da estatal.
Mas, numa tarde cinzenta de um certo dia do mês
de setembro de 1957, o telefone “tilintou” e ouvi a voz de uma moça. Uma voz
que me parecia divina, disse-me: “eu sou secretária do chefe de pessoal da PETROBRAS.
Telefono para avisar-lhe que deverá comparecer em tal endereço para as
providências iniciais de admissão à empresa”. O meu coração estremeceu de
emoção, como um terremoto.
No dia 15 daquele mês, às oito horas da manhã
primaveril, na sede da Contadoria-Geral eu recebia o meu primeiro cartão de
ponto.
Mandaram-me estagiar na FRONAPE.
Decorridos quinze dias, o gerente do
Departamento Financeiro, onde eu estagiava, dirigiu-se a mim, esbaforido, e foi
dizendo: “o Contador-Geral da PETROBRAS quer falar consigo ainda hoje”.
Receoso dessa súbita e não esperada entrevista
com o “chefão”, abandonei, precipitado, o prédio da FRONAPE e a passos largos
fui ao enigmático encontro que mudaria o meu destino.
Em lá chegando, a secretária – bonita e
sorridente -, introduziu-me no luxuoso gabinete do Contado-Geral.
Ele me cumprimentou amavelmente acalmando o meu
espírito preocupado.
Então, disse-me: “o senhor foi aprovado no
nosso concurso em primeiro lugar, e como prêmio estou lhe indicando para o cargo
de Contador Seccional da Superintendência Regional da Amazônia (SRAZ), com sede
em Belém, capital do Pará”.
A surpreendente noticia alegrou-me por essa
promoção importante para minha carreira funcional, mas ao mesmo tempo, me
entristeceu por ser obrigado a deixar o meu Rio de Janeiro para morar num lugar
a que se chamava “inferno-verde”.
A minha saga na PETROBRAS durou vinte anos.
Aposentei-me em 1977.
A adaptação à vida ociosa foi difícil e penosa.
Eu passeava pela manhã na praia do Flamengo com o meu cachorro pequinês
(herança do meu filho). Os colegas passavam em seus carros e gritavam para mim:
“vai trabalhar, vagabundo”. Eu me sentia derrotado como Napoleão em Waterloo.
Aquela situação me tornava infeliz.
Decorridos três meses eu soube que um colega e
amigo havia sido nomeado presidente de uma Trading-Company estatal.
Pedi a ele uma entrevista, quando expus a minha
triste situação de aposentado.
Fui admitido como auditor.
Decorridos alguns anos, a secretária do presidente
me avisava que ele queria falar comigo.
O presidente era de difícil acesso. Portanto,
subi o elevador, preocupado, e ingressei em sua sala.
Sem rodeios ele foi logo me dizendo: “prepare
um plano de auditoria para a filial de Hamburgo, Alemanha. Vá ao Departamento
de Pessoal para providenciar passaporte, etc.”
Terminado o expediente corri a uma livraria. Lá
comprei um guia da Alemanha, em inglês, no qual havia um mapa do país. O guia
era também livro de história do país de Goethe. Comprei também um livro
intitulado “Alemão sem Mestre”, pois desconhecia que a maioria dos alemães
falava inglês, o que descobri quando cheguei lá.
Durante um mês aprendi palavras-chave cujo
conhecimento eu julgava indispensável.
Para chegar a Hamburgo eu deveria fazer conexão
no fantástico aeroporto de Frankfurt.
Ao penetrar nesse que é o maior aeroporto da
Europa estremeci de pavor, temendo perder o avião para Hamburgo, cujo horário
já estava fixado na passagem. Já era noite.
Perguntei a um empregado da Varig (brasileiro)
por onde eu deveria seguir para tomar o avião para Hamburgo. Com má vontade e
displicência ele estendeu o braço indicando-me um tapete rolante e mais nada.
Subi naquele meio de transporte nunca visto por
mim, excessivamente preocupado. O coração batia forte como o “Big-Bem”. O percurso pareceu-me longo como a estrada
para o infinito. No final notei que havia escadas rolantes em diversas
direções. O relógio indicava que o avião estava prestes a alçar voo. Para minha
sorte, um cidadão norte-americano surgiu à minha frente e perguntei-lhe,
aflito, onde ficava a plataforma do avião para Hamburgo. Disse: “siga-me”.
Num balcão estava uma moça vestindo a farda da
Lufthansa. Perguntei: este avião vai para Hamburgo? Sim, respondeu aquela fada.
Mostrei-lhe a passagem e entrei no bojo do enorme pássaro metálico alemão.
Entrei com o pé direito e ao recolher o pé esquerdo a porta fechou-se atrás de
mim. Por questão de segundos eu teria perdido aquele voo. Ao sentar-me na
confortável poltrona, me sentia aliviado e mais contente do que Ulysses após
retornar à sua ilha, ÍTACA, encontrar-se com ARGUS, o seu cão fiel, matar os
inimigos que ocupavam os seus bens, além de cobiçarem a formosa esposa do rei
vencedor de Tróia.
A aeromoça tão linda como a miss universo
ofereceu-me um cálice de whisky. Engoli o líquido rejuvenescedor de um só trago
e senti queimar-me as entranhas.
Dentro do avião havia um letreiro iluminado
onde se achava escrito em inglês e alemão a palavra saída. Em alemão creio que
fosse AUSGANG. Esse aprendizado me foi útil quando ingressei no vasto aeroporto
de Hamburgo. Numa agencia bancária troquei dólares por marcos.
Então, pensei: “como sairei deste Maracanã?”
Uma seta iluminada mostrava aquela palavra
mágica cujo significado aprendi no avião.
Tomei um taxi de luxo. O motorista parecia um
lorde inglês. Mostrei-lhe o nome do hotel e o endereço, antecipadamente
reservado.
Caía neve abundantemente. O termômetro marcava
10° abaixo de zero. Eu vestia roupas de frio compradas no Brasil. Naturalmente
o taxi estava provido de equipamento de aquecimento.
Ao chegar ao hotel assustei-me com o preço da
corrida indicado no taxímetro. E na Alemanha, nesse momento, sofri a primeira
“mordida” no meu bolso.
Morria de fome. O gerente do hotel recebeu-me
com alegria e ofereceu-me um “Lunch”.
Eu estava mais cansado do que uma tartaruga que
andasse, sem parar, dez quilômetros.
A neve continuava a cair como se viesse de uma
cascata existente no céu.
Eu nunca havia visto neve anteriormente.
Dormi como uma pedra.
De manhã, após o café, recebi a visita do
gerente da filial de Hamburgo que ofereceu-me transporte para ir ao escritório.
Ele era brasileiro, muito simpático e extremamente educado.
Requisitei os livros de contabilidade para dar
início às minhas tarefas de auditoria. Ao abrir o livro razão tomei um susto
como se tivesse encontrado um escorpião.
A escrituração estava feita no idioma de Hitler!
Uma ideia brilhante assomou ao meu cérebro. O
gerente me forneceu um dicionário alemão-inglês, o que evitou o meu suicídio.
Sem dúvida, diante dessa dificuldade, gastei
tempo superior ao previsto.
A escrituração contábil praticada pelo colega
alemão era perfeita, sem defeito.
Para harmonizar o trabalho com o desejo de
conhecer muito da enorme e bela cidade de Hamburgo, destruída pela aviação
inglesa durante a segunda guerra mundial, mas novamente exuberante como o
arco-íris, eu me decidi a ir a pé, todos os dias, do hotel para o escritório da
filial percorrendo a distância de alguns quilômetros. Contrariando conselhos
que recebi para não andar nas ruas por mais de uma hora pelo risco de pneumonia.
A neve não cessava de bombardear a cidade
histórica. Os meus sapatos eram imprestáveis para caminhar nas calçadas
atapetadas de branco. Passei a usar a bota apropriada.
Diariamente eu percorria uma rota diferente.
Guiava-me pelas altas torres das igrejas, pois a visibilidade era nula.
Num determinado dia, entretanto, quando a neve
caía com maior intensidade, eu resolvi circundar um enorme lago congelado, onde
centenas de pessoas patinavam, com suas roupas coloridas.
Uma enorme colcha de escuridão encobria a
cidade. A neve caía como se quisesse destruí-la. As “minhas” torres sumiram.
Andei alguns quilômetros e imaginei que estava perdido.
As ruas vazias de gente e de veículos.
Por sorte, deparei-me com uma senhora alemã
gorda e simpática; os olhos azulados como pena de pavão. As faces da cor de uma
rosa vermelha.
Cumprimentei-a em inglês e nesse idioma de
Shakespeare ela me respondeu. Disse-lhe ser brasileiro e mostrei-lhe o endereço
que procurava. Ela sorriu e disse-me: ”o senhor ultrapassou o seu destino em
três quilômetros”.
Em seguida, indicou-me, gentilmente, o meu
caminho de volta.
Cheguei, finalmente, ao escritório, quase na
hora do almoço. Contei ao gerente a minha aventura que o fez gargalhar e me
chamou de maluco e esclareceu-me que aquele ‘passeio” poderia ter me custado
uma pneumonia, ainda mais porque as roupas que eu usava não eram apropriadas
àquelas baixas temperaturas.
No dia seguinte, obviamente, tomei o ônibus
elétrico que me deixava na porta do edifício, sede da filial.
O gerente tornou-se meu amigo. Convidava-me,
frequentemente, para jantar no seu apartamento. A sua distinta esposa, também
brasileira, era funcionária da embaixada do Brasil.
A distância para o meu hotel seria superior a
um quilometro. Mas não havia pontos de referência para me orientar. Os
edifícios de quatro andares e irmãos gêmeos confundiam o meu radar.
Eu já havia feito o percurso algumas vezes e
acreditava na segurança de que não me perderia. Ledo engano!
Numa certa noite deixei o apartamento do meu
colega e amigo. Chovia neve. No trajeto extraviei-me como um boi que no sertão
foge da manada.
Vaguei rua acima e rua abaixo. Pensei em
retornar àquele apartamento. Mas onde ficava? Tentei durante meia hora, sem
resultado. Não passava um taxi. A cidade parecia um deserto siberiano.
Surpreendentemente, uma linda jovem cruzou comigo. O relógio marcava
meia-noite. Para não assustá-la, falei alto: “senhorita, eu sou brasileiro e preciso
da sua ajuda. Estou perdido”.
Mostrei-lhe o cartão do hotel cujo endereço ela
lia com dificuldade por causa da neve. Acompanhou-me até uma rua e indicou-me o
hotel.
No meu melhor inglês transmiti àquela gentil
senhorita os meus melhores e mais efusivos agradecimentos.
Ao deitar-me na cama morna do hotel me senti
mais alegre e feliz do que uma criancinha nos braços generosos da mãe.
A minha missão de trabalho havia terminado.
Permaneci em Hamburgo por mais três dias. Conheci, então, uma das mais belas
cidades do mundo. Digo, de coração, que gostei mais de Hamburgo do que de Paris
e Nova York.
Em sua homenagem compus um poema cujo último
verso é: Adeus, Hamburgo, por ti eu morro de saudade!
E aqui termina esta aventura de um sertanejo na
Alemanha! Uma aventura que durou vinte dias de frio e neve.
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