terça-feira, 22 de dezembro de 2015

UM SERTANEJO EM APUROS NA ALEMANHA



UM SERTANEJO EM APUROS NA ALEMANHA




No ano de 1956 a PETROBRAS fazia seleção para o cargo de Contador.
Nessa época eu era sub-Contador da Metro  Goldwyn Mayer do Brasil.
Inscrevi-me no concurso juntamente com 100 outros candidatos, muitos deles (eu soube depois), Contadores de empresas importantes do Rio e de São Paulo.
No primeiro exame (oral) a maioria dos participantes foi eliminada.
Após o silencio de alguns meses, o meu telefone tocou. Ouvia a voz suave e característica de uma jovem carioca que me convidava para ir à PETROBRAS, em determinado dia e hora, para fazer prova escrita. Surpreendi-me com esse convite, devido ao logo tempo decorrido.
O prazo fixado para esta segunda prova foi de duas horas.
Os candidatos receberam um balanço para analisar, apurar o resultado do exercício financeiro e propor à Diretoria a forma de distribuição do resultado, se positivo, emitindo um relatório.
Seguiu-se mais um longo silêncio.
Quase um ano já decorrido desde a prova inicial eu já havia perdido a esperança de ingressar no quadro de pessoal da estatal.
Mas, numa tarde cinzenta de um certo dia do mês de setembro de 1957, o telefone “tilintou” e ouvi a voz de uma moça. Uma voz que me parecia divina, disse-me: “eu sou secretária do chefe de pessoal da PETROBRAS. Telefono para avisar-lhe que deverá comparecer em tal endereço para as providências iniciais de admissão à empresa”. O meu coração estremeceu de emoção, como um terremoto.
No dia 15 daquele mês, às oito horas da manhã primaveril, na sede da Contadoria-Geral eu recebia o meu primeiro cartão de ponto.
Mandaram-me estagiar na FRONAPE.
Decorridos quinze dias, o gerente do Departamento Financeiro, onde eu estagiava, dirigiu-se a mim, esbaforido, e foi dizendo: “o Contador-Geral da PETROBRAS quer falar consigo ainda hoje”.
Receoso dessa súbita e não esperada entrevista com o “chefão”, abandonei, precipitado, o prédio da FRONAPE e a passos largos fui ao enigmático encontro que mudaria o meu destino.
Em lá chegando, a secretária – bonita e sorridente -, introduziu-me no luxuoso gabinete do Contado-Geral.
Ele me cumprimentou amavelmente acalmando o meu espírito preocupado.
Então, disse-me: “o senhor foi aprovado no nosso concurso em primeiro lugar, e como prêmio estou lhe indicando para o cargo de Contador Seccional da Superintendência Regional da Amazônia (SRAZ), com sede em Belém, capital do Pará”.
A surpreendente noticia alegrou-me por essa promoção importante para minha carreira funcional, mas ao mesmo tempo, me entristeceu por ser obrigado a deixar o meu Rio de Janeiro para morar num lugar a que se chamava “inferno-verde”.
A minha saga na PETROBRAS durou vinte anos. Aposentei-me em 1977.
A adaptação à vida ociosa foi difícil e penosa. Eu passeava pela manhã na praia do Flamengo com o meu cachorro pequinês (herança do meu filho). Os colegas passavam em seus carros e gritavam para mim: “vai trabalhar, vagabundo”. Eu me sentia derrotado como Napoleão em Waterloo. Aquela situação me tornava infeliz.
Decorridos três meses eu soube que um colega e amigo havia sido nomeado presidente de uma Trading-Company estatal.
Pedi a ele uma entrevista, quando expus a minha triste situação de aposentado.
Fui admitido como auditor.
Decorridos alguns anos, a secretária do presidente me avisava que ele queria falar comigo.
O presidente era de difícil acesso. Portanto, subi o elevador, preocupado, e ingressei em sua sala.
Sem rodeios ele foi logo me dizendo: “prepare um plano de auditoria para a filial de Hamburgo, Alemanha. Vá ao Departamento de Pessoal para providenciar passaporte, etc.”
Terminado o expediente corri a uma livraria. Lá comprei um guia da Alemanha, em inglês, no qual havia um mapa do país. O guia era também livro de história do país de Goethe. Comprei também um livro intitulado “Alemão sem Mestre”, pois desconhecia que a maioria dos alemães falava inglês, o que descobri quando cheguei lá.
Durante um mês aprendi palavras-chave cujo conhecimento eu julgava indispensável.
Para chegar a Hamburgo eu deveria fazer conexão no fantástico aeroporto de Frankfurt.
Ao penetrar nesse que é o maior aeroporto da Europa estremeci de pavor, temendo perder o avião para Hamburgo, cujo horário já estava fixado na passagem. Já era noite.
Perguntei a um empregado da Varig (brasileiro) por onde eu deveria seguir para tomar o avião para Hamburgo. Com má vontade e displicência ele estendeu o braço indicando-me um tapete rolante e mais nada.
Subi naquele meio de transporte nunca visto por mim, excessivamente preocupado. O coração batia forte como o “Big-Bem”.  O percurso pareceu-me longo como a estrada para o infinito. No final notei que havia escadas rolantes em diversas direções. O relógio indicava que o avião estava prestes a alçar voo. Para minha sorte, um cidadão norte-americano surgiu à minha frente e perguntei-lhe, aflito, onde ficava a plataforma do avião para Hamburgo. Disse: “siga-me”.
Num balcão estava uma moça vestindo a farda da Lufthansa. Perguntei: este avião vai para Hamburgo? Sim, respondeu aquela fada. Mostrei-lhe a passagem e entrei no bojo do enorme pássaro metálico alemão. Entrei com o pé direito e ao recolher o pé esquerdo a porta fechou-se atrás de mim. Por questão de segundos eu teria perdido aquele voo. Ao sentar-me na confortável poltrona, me sentia aliviado e mais contente do que Ulysses após retornar à sua ilha, ÍTACA, encontrar-se com ARGUS, o seu cão fiel, matar os inimigos que ocupavam os seus bens, além de cobiçarem a formosa esposa do rei vencedor de Tróia.
A aeromoça tão linda como a miss universo ofereceu-me um cálice de whisky. Engoli o líquido rejuvenescedor de um só trago e senti queimar-me as entranhas.
Dentro do avião havia um letreiro iluminado onde se achava escrito em inglês e alemão a palavra saída. Em alemão creio que fosse AUSGANG. Esse aprendizado me foi útil quando ingressei no vasto aeroporto de Hamburgo. Numa agencia bancária troquei dólares por marcos.
Então, pensei: “como sairei deste Maracanã?”
Uma seta iluminada mostrava aquela palavra mágica cujo significado aprendi no avião.
Tomei um taxi de luxo. O motorista parecia um lorde inglês. Mostrei-lhe o nome do hotel e o endereço, antecipadamente reservado.
Caía neve abundantemente. O termômetro marcava 10° abaixo de zero. Eu vestia roupas de frio compradas no Brasil. Naturalmente o taxi estava provido de equipamento de aquecimento.
Ao chegar ao hotel assustei-me com o preço da corrida indicado no taxímetro. E na Alemanha, nesse momento, sofri a primeira “mordida” no meu bolso.
Morria de fome. O gerente do hotel recebeu-me com alegria e ofereceu-me um “Lunch”.
Eu estava mais cansado do que uma tartaruga que andasse, sem parar, dez quilômetros.
A neve continuava a cair como se viesse de uma cascata existente no céu.
Eu nunca havia visto neve anteriormente.
Dormi como uma pedra.
De manhã, após o café, recebi a visita do gerente da filial de Hamburgo que ofereceu-me transporte para ir ao escritório. Ele era brasileiro, muito simpático e extremamente educado.
Requisitei os livros de contabilidade para dar início às minhas tarefas de auditoria. Ao abrir o livro razão tomei um susto como se tivesse encontrado um escorpião.
A escrituração estava feita no idioma de Hitler!
Uma ideia brilhante assomou ao meu cérebro. O gerente me forneceu um dicionário alemão-inglês, o que evitou o meu suicídio.
Sem dúvida, diante dessa dificuldade, gastei tempo superior ao previsto.
A escrituração contábil praticada pelo colega alemão era perfeita, sem defeito.
Para harmonizar o trabalho com o desejo de conhecer muito da enorme e bela cidade de Hamburgo, destruída pela aviação inglesa durante a segunda guerra mundial, mas novamente exuberante como o arco-íris, eu me decidi a ir a pé, todos os dias, do hotel para o escritório da filial percorrendo a distância de alguns quilômetros. Contrariando conselhos que recebi para não andar nas ruas por mais de uma hora pelo risco de pneumonia.
A neve não cessava de bombardear a cidade histórica. Os meus sapatos eram imprestáveis para caminhar nas calçadas atapetadas de branco. Passei a usar a bota apropriada.
Diariamente eu percorria uma rota diferente. Guiava-me pelas altas torres das igrejas, pois a visibilidade era nula.
Num determinado dia, entretanto, quando a neve caía com maior intensidade, eu resolvi circundar um enorme lago congelado, onde centenas de pessoas patinavam, com suas roupas coloridas.
Uma enorme colcha de escuridão encobria a cidade. A neve caía como se quisesse destruí-la. As “minhas” torres sumiram. Andei alguns quilômetros e imaginei que estava perdido.
As ruas vazias de gente e de veículos.
Por sorte, deparei-me com uma senhora alemã gorda e simpática; os olhos azulados como pena de pavão. As faces da cor de uma rosa vermelha.
Cumprimentei-a em inglês e nesse idioma de Shakespeare ela me respondeu. Disse-lhe ser brasileiro e mostrei-lhe o endereço que procurava. Ela sorriu e disse-me: ”o senhor ultrapassou o seu destino em três quilômetros”.
Em seguida, indicou-me, gentilmente, o meu caminho de volta.
Cheguei, finalmente, ao escritório, quase na hora do almoço. Contei ao gerente a minha aventura que o fez gargalhar e me chamou de maluco e esclareceu-me que aquele ‘passeio” poderia ter me custado uma pneumonia, ainda mais porque as roupas que eu usava não eram apropriadas àquelas baixas temperaturas.
No dia seguinte, obviamente, tomei o ônibus elétrico que me deixava na porta do edifício, sede da filial.
O gerente tornou-se meu amigo. Convidava-me, frequentemente, para jantar no seu apartamento. A sua distinta esposa, também brasileira, era funcionária da embaixada do Brasil.
A distância para o meu hotel seria superior a um quilometro. Mas não havia pontos de referência para me orientar. Os edifícios de quatro andares e irmãos gêmeos confundiam o meu radar.
Eu já havia feito o percurso algumas vezes e acreditava na segurança de que não me perderia. Ledo engano!
Numa certa noite deixei o apartamento do meu colega e amigo. Chovia neve. No trajeto extraviei-me como um boi que no sertão foge da manada.
Vaguei rua acima e rua abaixo. Pensei em retornar àquele apartamento. Mas onde ficava? Tentei durante meia hora, sem resultado. Não passava um taxi. A cidade parecia um deserto siberiano. Surpreendentemente, uma linda jovem cruzou comigo. O relógio marcava meia-noite. Para não assustá-la, falei alto: “senhorita, eu sou brasileiro e preciso da sua ajuda. Estou perdido”.
Mostrei-lhe o cartão do hotel cujo endereço ela lia com dificuldade por causa da neve. Acompanhou-me até uma rua e indicou-me o hotel.
No meu melhor inglês transmiti àquela gentil senhorita os meus melhores e mais efusivos agradecimentos.
Ao deitar-me na cama morna do hotel me senti mais alegre e feliz do que uma criancinha nos braços generosos da mãe.
A minha missão de trabalho havia terminado. Permaneci em Hamburgo por mais três dias. Conheci, então, uma das mais belas cidades do mundo. Digo, de coração, que gostei mais de Hamburgo do que de Paris e Nova York.
Em sua homenagem compus um poema cujo último verso é: Adeus, Hamburgo, por ti eu morro de saudade!
E aqui termina esta aventura de um sertanejo na Alemanha! Uma aventura que durou vinte dias de frio e neve.
















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