quarta-feira, 6 de abril de 2016

UM SERTANEJO EM PARIS



UM SERTANEJO EM PARIS




Todo mundo sabe que sertanejo é o indivíduo que nasce e vive no sertão, zona do interior brasileiro.
Como está dito em outros pontos deste livro, o autor desta crônica nasceu no coração do sertão (Sergipe), no ano de 1924. Dez anos depois disse adeus aos seus pagos indo residir na cidade de Boquim. Logo depois, os meus pais foram morar na capital, Aracaju, que na época tinha menos de 50.000 habitantes.
Estudei em colégio particular. Em seguida, fiz vestibular para a única escola de curso superior existente em Sergipe, àquela época: Escola de Comércio Conselheiro Orlando.
Em 1945, numa solenidade inesquecível, recebi o cobiçado diploma de Contador.
Em 1950 a empresa de Petróleo ITATIG, da qual eu era Contador, me transferiu para a Matriz, no Rio de Janeiro.
Em 1951 ingressei num banco carioca como Contador-geral, embora nunca tivesse sido bancário.
Farto da organização bancária onde trabalhava até doze horas diariamente e ganhava pouco, fui selecionado para exercer o cargo de Sub-Contador da Metro Goldwyn Mayer do Brasil.
Como dito em oura crônica, em 1957 ingressei na PETROBRAS, onde permaneci por vinte anos.
Aposentado, ingressei, como Auditor, numa Trading-Company estatal no ano de 1977.
Num determinado ano da década de 1980 viajei para a França com a missão de auditar a contabilidade da filial existente nesse país.
A contabilidade, a cargo de um Contador francês que eu julgava tão gênio nessa arte como seu compatriota RODIN, na escultura, causou-me decepção.
Ainda na PETROBRAS eu estudava a língua francesa durante muitos anos. Na Escola de Comércio eu havia estudado o francês comercial.
O meu maior interesse no estudo do belo idioma de Victor Hugo teve dois objetivos:
1º - Estudar a contabilidade francesa;
2º - Ler os livros dos grandes escritores e poetas franceses no original.
Como eterno interessado no estudo da história universal, eu havia estudado durante muitos anos a vigorosa história desse país civilizado, desde os tempos da Gália. Fui ardoroso adepto da Revolução Francesa e de Napoleão Bonaparte, cujo túmulo visitei em Paris.
Eu tinha a França como a minha segunda pátria.
Ao pisar, pela primeira vez, o seu solo, para mim sagrado, senti fantástica emoção que durou nos vinte dias de permanência. A minha pressão arterial subia e descia como um elevador.
Quando eu entrava num restaurante e observava as mesas repletas de garrafas de vinho, lamentava a má situação da minha saúde, pois o vinho foi sempre minha bebida preferida.
Os franceses tomavam vinho. Eu bebia leite. Mas como era gostoso o leite da Normandia!
Retorno ao ponto principal desta história.
O sistema de escrituração contábil das operações da filial brasileira praticado pelo colega francês não correspondia à minha expectativa.
Os lançamentos eram feitos num “mapa”, como se diz na gíria contábil, sem históricos das operações. Constava apenas a indicação das datas dos lançamentos e dos números dos documentos.
Tive dificuldade de auditar as contas, pois me via obrigado a consultar os documentos no arquivo. O sistema de escrituração era primário e em desacordo com aquilo que eu havia aprendido nos livros de contabilidade franceses.
As funcionárias responsáveis pela escrituração não eram formadas em contabilidade. Registravam os fatos contábeis obedecendo as instruções do Contador, porém não sabiam prestar as informações que eu solicitava.
Considerando a confusão estabelecida e diante da minha necessidade de compreender e verificar as práticas adotadas, o gerente sugeriu-me visitar o Contador, para que ele afastasse as minhas dúvidas. Não foi uma boa iniciativa.
Eu relatei a ele as minhas dificuldades para realizar o meu trabalho. Acrescentei que havia estudado a contabilidade francesa que preconizava, da mesma forma que a contabilidade brasileira, a manutenção dos livros Diário e Razão, não existentes na filial.
O homem exasperou-se e se recusou a dar-me informações.
Decepcionado, prossegui nos meus trabalhos com as armas da teoria e da prática contábil adquiridas no curso da minha longa vida profissional.
No meu relatório para a Matriz, no Rio de Janeiro, eu disse que a escrituração contábil era uma escrituração de quitanda. O gerente ignorante da Ciência Contábil, abespinhou-se e tomou a defesa do Contador. E como era amigo de um Ministro brasileiro muito importante queixou-se de mim ao presidente da Trading.
O presidente telefonou-me e antes que eu dissesse alguma coisa, pois o relatório ainda se achava em trânsito para o Brasil, disse-me: “o gerente reclamou do fato do Auditor haver ofendido o Contador francês ao haver afirmado em seu relatório que a escrituração contábil da filial se assemelhava à praticada nas quitandas do Brasil”.
Eu era aposentado da PETROBRAS e não receava perder o emprego.
Confirmei o dito relatório e solicitei-lhe aguardar o seu recebimento. Ignoro o que se passou em seguida, mas o gerente foi chamado imediatamente à Matriz e não regressou à França. Entretanto, não sofreu qualquer punição pelos seus desmandos na filial por mim apontados.
Terminados os trabalhos, permaneci em Paris por mais quatro dias antes de regressar ao Brasil.
No meu primeiro dia em Paris, livre para passear, com um guia na mão e um mapa da cidade, iniciei uma maratona turística.
O meu hotel ficava longe do centro da cidade. Apanhei um taxi. No banco dianteiro estava “sentado” um enorme cão policial.
Era quase meio dia. Pedi ao robusto e mal-encarado motorista para deixar-me no Arco do Triunfo.
Tive a infeliz ideia de percorrer a pé o trajeto desse histórico monumento até a distante Praça da República de onde o meu hotel ficava próximo. Essa foi uma das minhas mais absurdas iniciativas.
A caminhada seria de uns doze quilômetros.
Segurando nas mãos um coração emocionado, comecei a percorrer a famosa avenida “des Champs-Élysées”.
Aqui e acolá eu parava à frente de um monumento para admirá-lo e ler os dizeres em francês.
Visitava as lojas mais bonitas que ia descobrindo.
Quando as luzes da cidade começaram a acender-se penetrei na conhecida “rue de Rivoli”, paraíso de bijuterias. Fiz umas compras.
A noite chegava e eu ainda estava distante do hotel.
Pensei tomar um táxi, sem resultado. Eu ignorava como deveria proceder para usar o rádio táxi que seria minha salvação.
Eram mais ou menos 20 horas quando começou a chover torrencialmente. O céu escureceu. As ruas completamente vazias. O comércio fechado.
O meu mapa molhou-se e joguei-o fora. O guia também perdeu a utilidade. Estava desorientado.
Carregava no bolso duzentos dólares e temia ser assaltado.
Na encruzilhada de uma rua um tanto escura deparei-me com um sujeito nem mal nem bem vestido. A tez morena, aparentando 30 anos de idade e forte como um rinoceronte. Procurei falar-lhe num bom francês, pausadamente. Pedi orientação para chegar à Praça da República, uma praça enorme para a qual convergem muitas ruas.
O estranho indivíduo me disse: a praça é muito longe. Pague o Metrô e se prontificou a me acompanhar até a estação. O meu bom senso acendeu a luz vermelha da desconfiança. Agradeci a sua gentileza e afastei-me apressado. Não segui a rua indicada. Tomei uma outra paralela e mais adiante retomei a artéria que poderia levar-me ao destino.
A chuva diminuiu de intensidade. Eu estava encharcado e sentia muito frio.
Aliviado da presença daquela figura humana que me parecia o fantasma de algum bandido francês da idade média, prossegui minha estafante jornada. As pernas doíam, eu estava “fatigué”.
O relógio marcava 23 horas quando compreendi que me achava completamente perdido. Um sertanejo em Paris em plena noite escura e chuvosa!
Não via gente naquelas ruas mal iluminadas e desertas.
Muito arrependido da minha tola e arriscada decisão, temia um assalto a qualquer momento.
Mas a sorte não havia me abandonado.
Cheguei à frente de um edifício de apartamentos justamente quando uma senhora idosa digitava os números mágicos que abririam a porta de entrada. Para não assustá-la, fui dizendo: minha cara senhora, preciso de sua ajuda. Eu sou turista brasileiro e estou perdido. Procuro a Praça da República. Ela deixou a digitação, virou-se em minha direção e respondeu: “daqui até a praça são mais dois quilômetros. Siga esta rua, dobre à direita e depois à esquerda e siga em frente”. Agradeci-lhe efusivamente e prossegui a minha jornada com gosto de aventura.
A chuva continuava, embora enfraquecida.
Era uma hora da manhã quando deparei-me com o esplendor da praça histórica e apossou-se de mim uma alegria semelhante à do arqueólogo alemão quando descobriu as ruinas de Tróia.
Cerca de 14 ruas desembocavam naquela praça de área descomunal. Qual seria a rua do meu hotel? Felizmente lembrei-me do nome: rua Meslay. Nunca esqueci.
Cheguei a uma banca de jornal para perguntar onde ficava essa rua. O jornaleiro, forte como um Zebu do meu sertão, estava recebendo jornais e não me dava atenção.
Junto à banca estava uma jovem bem vestida e linda como Vênus. Os olhos azuis como o céu. Sabendo-me estrangeiro, ela me informou: “a rua Meslay é esta aqui”.
Agradeci-lhe copiosamente. Exausto como um vencedor das olimpíadas entrei no hotel, apanhei a chave do meu apartamento, comi frutas, bebi muita água, tomei uma ducha quente e caí pesadamente na cama confortável, feliz com um deus.
Dormi até o meio dia. Ainda hoje me recrimino por aquela minha estupidez que me serviu de lição nas viagens futuras.
E tudo isso aconteceu porque não observei um ditado do meu avô, que dizia: “em





Edson Valadares
 
 


















terra estranha pisa-se no chão devagar”.
Ao levantar-me aluguei um taxi. E assim conheci, em poucos dias, muita coisa da velha Paris. Naqueles momentos de angústia, eu recordava as minhas aventuras e desditas no sertão do meu país ao tempo de minha atribulada infância.














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