quarta-feira, 26 de julho de 2017

O ADEUS...



O ADEUS...


Aos dez anos de idade terminavam os meus estudos do curso primário na escola pública do povoado SAMAMBAIA.
Os meus pais decidiram então que eu deveria ingressar na “civilização”. Isto é, morar na cidade, objetivando a continuidade dos estudos.
Fui informado a esse respeito, porém ignorava, completamente, que estudos eram esses.
 Não protestei, pois no fundo, no fundo do meu eu, anelava residir em povoação adiantada. Submeti-me, conformado, à realidade.
Escoava-se o ano de 1933.
Avisaram-me que partiria para a cidade de BOQUIM, no dia seguinte.
Assim, na véspera da viagem, cumpri várias missões de despedidas.
Cavalguei pelos lugares da fazenda que mais amava. Com a vista e a alma tristes dei adeus às montanhas tão caras, aos vales, aos campos, às florestas, aos açudes, aos rios e riachos, e às minhas preciosas roças, onde plantava feijão e milho. Abracei os animais domésticos e de criação que encontrei, e beijei-os como se fossem seres humanos, acreditando que eles participavam das minhas emoções.
Apreciei, emocionado, a visão do último pôr-do-sol no sertão. O crepúsculo vestia a sua mais rica e brilhante roupa de ouro, como que para homenagear-me e dizer-me adeus.
Naquela minha última noite na fazenda, a via láctea parecia mais cintilante e mais próxima.
Cansado de tantas atividades heterogêneas do dia e com a alma sofrida pelas emoções vividas, fui dormir pouco antes da meia-noite.
A aurora levantou-se no horizonte, despertando os homens e os animais.
Engoli rapidamente a última refeição preparada pela querida avó, sem sentir o paladar, embargado pela emoção.
O meu cavalo, do qual ia me separar com dor no coração, havia comido a sua ração e saciado e sede.
Naquela manhã radiosa, tudo estava pronto para o início da viagem sem retorno, rumo ao desconhecido, rumo ao futuro.
Pedi a minha avó – uma heroína anônima – a sua benção. Ela tinha sido a minha segunda mãe por uma década. Abraçamo-nos durante minutos, que soaram no meu espírito como uma eternidade, e juntos derramamos lágrimas que inundaram o rio da saudade.
Despedi-me, por último, do meu fiel amigo e protetor: o cão ROBALO. Ele acompanhava-me para qualquer lugar que eu fosse, observando tudo, silencioso. A cauda imóvel era sinal de tristeza. Parecia entender o motivo de toda aquela agitação inusitada. Em evidente estado de compunção, o meu companheiro de tantos anos levantou as patas dianteiras, pousando-as no meu ombro. Abraçou-me o pescoço, lambeu-me o rosto com sua língua morna, e dos meus tristes olhos escorreram lágrimas aquecidas pela dor.
Apressei a partida, para fugir logo àquela situação.
O cavalo estava selado. Montei-o e partimos. Abri a cancela que dava acesso à nossa casa. Os gonzos gastos pela ferrugem do tempo produziram rangidos que ainda hoje ecoam aos meus ouvidos.
O cavalo andava devagar, com má vontade. Parecia compreender, ele também, que nos íamos separar para sempre. O meu amigo e camarada de tantos anos, não demonstrava vontade de partir. Eu compreendia o seu comportamento e não censurava.
No momento em que atravessava a cancela, lancei para trás um olhar retrospectivo, e, como num filme, vi, na imaginação, a minha vida desfilando. Num instante ri e chorei ao contemplar as cenas mais marcantes.
Disse adeus, com pesar, às três enorme árvores frondosas e frutíferas perfiladas junto à casa, como se estivessem prestando-me continência. Recordei que aquelas valiosas árvores sempre me deram sombra protetora nos dias de canícula e frutos saborosos de regalo. Era um umbuzeiro, uma cajazeira e uma quixabeira.
Nas margens do riacho de águas límpidas onde muitas vezes me banhava, lancei um último olhar àquele panorama inesquecível que fazia parte da minha existência como uma segunda alma.
Parado, ali, derramei as últimas lágrimas e exalei um longo suspiro de angústia. Acabava de enterrar dez anos preciosos da minha vida.
Em direção ao meu novo destino, encetei, finalmente, a longa viagem, seguindo caminhos tortuosos. E, enquanto o cavalo trotava, eu mergulhava em profunda meditação sobre o porvir.
Cinquenta anos depois, a convite do meu irmão mais velho, EWERTON, subitamente falecido, voltei àquela saudosa e inesquecível fazenda, pretendendo exumar o meu passado.
Essa fazenda, que foi o paraíso da minha infância, pertencia, então, a um parente.
Não a reconheci. Tinham desaparecido, pela ação do tempo e dos homens, todos os pontos de referência abrigados na memória, antigamente cobertas de florestas e tão caras às minhas recordações, tinham sido desmatadas e estavam cobertas de capim.
Pedi ao meu anfitrião que me levasse ao rio, do qual ainda guardava vivas lembranças e saudades. Cheguei às suas margens, justamente no ponto onde tomava banho em umas pedras altas que serviam de chuveiro. Apesar de ser inverno, com chuvas abundantes, o rio, antigamente caudaloso nestas ocasiões, estava quase seco. Corria em seu leito estreito um filete de água, que nos dava a impressão de protestar o seu destino. As árvores altas e frondosas que o margeavam, dando-lhe sombra e proteção, não existiam mais. Só havia capim e gado pastando, indiferente.
O rio, outrora tão importante para mim, como o rio Jordão era importante para os judeus, estava moribundo, pela maldade, cobiça e ignorância dos homens.
A casa dos meus avós desaparecera, sem deixar vestígios, levando consigo um passado rico de glórias e de fantasmas que nela habitavam.
Sem dominar a emoção, duas lágrimas de revolta e tristeza afloraram aos meus olhos e caíram ao chão como gotas de orvalho.
Instantaneamente, dei meia-volta e fugi dali, como o diabo foge da cruz!
Bene sit!





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