O ADEUS...
Aos dez anos de idade terminavam os meus
estudos do curso primário na escola pública do povoado SAMAMBAIA.
Os meus pais decidiram então que eu
deveria ingressar na “civilização”. Isto é, morar na cidade, objetivando a
continuidade dos estudos.
Fui informado a esse respeito, porém
ignorava, completamente, que estudos eram esses.
Não
protestei, pois no fundo, no fundo do meu eu, anelava residir em povoação
adiantada. Submeti-me, conformado, à realidade.
Escoava-se o ano de 1933.
Avisaram-me que partiria para a cidade de
BOQUIM, no dia seguinte.
Assim, na véspera da viagem, cumpri várias
missões de despedidas.
Cavalguei pelos lugares da fazenda que
mais amava. Com a vista e a alma tristes dei adeus às montanhas tão caras, aos
vales, aos campos, às florestas, aos açudes, aos rios e riachos, e às minhas
preciosas roças, onde plantava feijão e milho. Abracei os animais domésticos e
de criação que encontrei, e beijei-os como se fossem seres humanos, acreditando
que eles participavam das minhas emoções.
Apreciei, emocionado, a visão do último
pôr-do-sol no sertão. O crepúsculo vestia a sua mais rica e brilhante roupa de
ouro, como que para homenagear-me e dizer-me adeus.
Naquela minha última noite na fazenda, a
via láctea parecia mais cintilante e mais próxima.
Cansado de tantas atividades heterogêneas
do dia e com a alma sofrida pelas emoções vividas, fui dormir pouco antes da
meia-noite.
A aurora levantou-se no horizonte,
despertando os homens e os animais.
Engoli rapidamente a última refeição preparada
pela querida avó, sem sentir o paladar, embargado pela emoção.
O meu cavalo, do qual ia me separar com
dor no coração, havia comido a sua ração e saciado e sede.
Naquela manhã radiosa, tudo estava pronto
para o início da viagem sem retorno, rumo ao desconhecido, rumo ao futuro.
Pedi a minha avó – uma heroína anônima – a
sua benção. Ela tinha sido a minha segunda mãe por uma década. Abraçamo-nos
durante minutos, que soaram no meu espírito como uma eternidade, e juntos
derramamos lágrimas que inundaram o rio da saudade.
Despedi-me, por último, do meu fiel amigo
e protetor: o cão ROBALO. Ele acompanhava-me para qualquer lugar que eu fosse,
observando tudo, silencioso. A cauda imóvel era sinal de tristeza. Parecia
entender o motivo de toda aquela agitação inusitada. Em evidente estado de
compunção, o meu companheiro de tantos anos levantou as patas dianteiras,
pousando-as no meu ombro. Abraçou-me o pescoço, lambeu-me o rosto com sua
língua morna, e dos meus tristes olhos escorreram lágrimas aquecidas pela dor.
Apressei a partida, para fugir logo àquela
situação.
O cavalo estava selado. Montei-o e
partimos. Abri a cancela que dava acesso à nossa casa. Os gonzos gastos pela
ferrugem do tempo produziram rangidos que ainda hoje ecoam aos meus ouvidos.
O cavalo andava devagar, com má vontade.
Parecia compreender, ele também, que nos íamos separar para sempre. O meu amigo
e camarada de tantos anos, não demonstrava vontade de partir. Eu compreendia o
seu comportamento e não censurava.
No momento em que atravessava a cancela,
lancei para trás um olhar retrospectivo, e, como num filme, vi, na imaginação,
a minha vida desfilando. Num instante ri e chorei ao contemplar as cenas mais
marcantes.
Disse adeus, com pesar, às três enorme
árvores frondosas e frutíferas perfiladas junto à casa, como se estivessem
prestando-me continência. Recordei que aquelas valiosas árvores sempre me deram
sombra protetora nos dias de canícula e frutos saborosos de regalo. Era um
umbuzeiro, uma cajazeira e uma quixabeira.
Nas margens do riacho de águas límpidas
onde muitas vezes me banhava, lancei um último olhar àquele panorama
inesquecível que fazia parte da minha existência como uma segunda alma.
Parado, ali, derramei as últimas lágrimas
e exalei um longo suspiro de angústia. Acabava de enterrar dez anos preciosos
da minha vida.
Em direção ao meu novo destino, encetei,
finalmente, a longa viagem, seguindo caminhos tortuosos. E, enquanto o cavalo
trotava, eu mergulhava em profunda meditação sobre o porvir.
Cinquenta anos depois, a convite do meu
irmão mais velho, EWERTON, subitamente falecido, voltei àquela saudosa e
inesquecível fazenda, pretendendo exumar o meu passado.
Essa fazenda, que foi o paraíso da minha
infância, pertencia, então, a um parente.
Não a reconheci. Tinham desaparecido, pela
ação do tempo e dos homens, todos os pontos de referência abrigados na memória,
antigamente cobertas de florestas e tão caras às minhas recordações, tinham
sido desmatadas e estavam cobertas de capim.
Pedi ao meu anfitrião que me levasse ao
rio, do qual ainda guardava vivas lembranças e saudades. Cheguei às suas
margens, justamente no ponto onde tomava banho em umas pedras altas que serviam
de chuveiro. Apesar de ser inverno, com chuvas abundantes, o rio, antigamente
caudaloso nestas ocasiões, estava quase seco. Corria em seu leito estreito um
filete de água, que nos dava a impressão de protestar o seu destino. As árvores
altas e frondosas que o margeavam, dando-lhe sombra e proteção, não existiam
mais. Só havia capim e gado pastando, indiferente.
O rio, outrora tão importante para mim,
como o rio Jordão era importante para os judeus, estava moribundo, pela
maldade, cobiça e ignorância dos homens.
A casa dos meus avós desaparecera, sem
deixar vestígios, levando consigo um passado rico de glórias e de fantasmas que
nela habitavam.
Sem dominar a emoção, duas lágrimas de
revolta e tristeza afloraram aos meus olhos e caíram ao chão como gotas de
orvalho.
Instantaneamente, dei meia-volta e fugi
dali, como o diabo foge da cruz!
Bene sit!