quinta-feira, 23 de março de 2017

Agosto 2011



                    ANO 2011
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                                     AGOSTO


1º.          Numa imitação a João do Rio, o famoso cronista desta cidade belíssima, escrevo mais esta crônica que julgo agradar ao leitor.
 Para uma audiência com o meu editor, na manhã nublada de hoje tomo um ônibus na Ilha do Governador para chegar ao Bairro da Lapa.
 No trajeto, o meu ônibus que trafegava na Avenida Brasil emparelhou-se a um caminhão que despertou a minha curiosidade. Na traseira do veículo um grande aviso alertava: 30 metros de comprimento. De início, pareceu-me que se tratava de um vagão de trem que estivesse sendo rebocado. Completamente fechado, não se via o tipo de carga que estaria transportando. O ônibus ultrapassou e perdi de vista o gigante da estrada.
 Desci na Avenida Chile e desemboquei na rua que ostenta o nome de um histórico Senador do Império, Senador Dantas.
 Atrasei o relógio do tempo e recordei que nesta rua, em janeiro de 1969, cheguei ao Rio, de regresso à Sede da Petrobras, vindo de Salvador e nela hospedei-me durante seis meses no Hotel Embaixador e namorei uma telefonista da qual me separei quando a esposa chegou.
 Percorro a rua, vagarosamente, e vou observando as suas mudanças nestes últimos 22 anos.
 Notei que ainda existem lojas daquela época.
 A rua é curta. Quase ao chegar à Rua do Passeio, vislumbro um edifício moderníssimo, envidraçado, 36 andares. Curioso, aproximei-me e li no frontispício: Hotel Atlântico.
 Logo adiante, fronteiriço, descubro um outro hotel de luxo. Aproximo-me e leio o nome: Windsor Astúrias Hotel. Fica no antigo edifício Embaixador, que foi por muitos anos de propriedade da Fundação Petrobras.
 Na minha agenda turística consta a Rua México, objeto da próxima crônica.


 6.          Na década de 1940, eu exercia o cargo de Contador de uma companhia que pesquisava petróleo em Sergipe.
 Cessadas as suas atividades, devido ao insucesso, em dezembro de 1949 a sonda foi vendida ou então Conselho Nacional do Petróleo.
 O diretor da empresa convidou-me a trabalhar na Matriz sita nesta cidade onde cheguei no mês de janeiro de 1950.
 O escritório ficava num edifício alto, sito na Rua México. Na ocasião, do lado oposto, estava sendo construído o majestoso edifício da embaixada dos Estados Unidos.
 No segundo dia de trabalho um jovem suicidou-se pulando do décimo andar.
 Aquela cena cruel, jamais vista pelo provinciano que desafiava a cidade grande, causou-me profunda consternação e tristeza.
 Na Rua México trabalhei durante um ano. A empresa caminhava para o abismo da falência.
 Achei prudente procurar outro emprego. Respondi a um anúncio de um Banco que necessitava admitir um Contador-geral.
 Fui chamado para uma entrevista com o presidente; confessei que jamais tivesse sido bancário, mas havia estudado esse ramo da Contabilidade na Faculdade.
 No dia 2 de janeiro de 1951, o provinciano era Contador de um banco de porte médio.
 Da Rua México, onde eu trabalhei durante um ano, guardei, no arquivo da memória, várias recordações.
 No dia de hoje, já decorridos 60 anos, deu-me a vontade de rever aquela rua, curioso para comparar o seu passado com o presente.
Não houve grandes mudanças, exceto a construção de dois enormes edifícios.
 À frente do edifício no qual havia trabalhado, passei em revista àquele meu passado e senti saudade daquele tempo.


8.           Perambulo pelas ruas do Centro da cidade à procura de novidades para escrever esta crônica.
 Na Praça Mauá começa a Avenida Rio Branco. Eu conhecia o trecho que chega à Avenida Presidente Vargas.
 Surpreendeu-me o grande número de altos edifícios, alguns deles com capacidade para abrigar a população de uma pequena cidade do interior do Brasil.
 Até ontem não havia camelôs na Cinelândia, esta praça famosa que é o coração da cidade.
 Para meu espanto, da noite para o dia ali haviam se instalado cerca de cem “comerciantes de rua”, vendendo roupas e bugigangas. Que absurdo!
 Chego à Praça Tiradentes, onde se acha a estátua do imperador D. Pedro Primeiro, montado num cavalo tão suntuoso como o do Imperador Carlos Magno.
 A Praça Tiradentes, como muitas outras, fora gradeada.  Até o Teatro Municipal está cercado de grades.
 Se em passado recente os prefeitos adotaram a política de gradear as praças da cidade, em nome da segurança da população, no momento a política adota o contrário.
 Estão sendo retiradas as grades das praças a fim de embelezar a cidade e que elas voltem a ser frequentadas pela população (diz a mídia).
 O Centro da cidade é um imenso canteiro de obras. A prefeitura reconstrói as calçadas e os leitos das ruas e praças, a um custo de assustar Mecenas.


12.       Saio da Ilha para ir ao Centro da cidade e perambular por ruas e avenidas das quais as lembranças estão impressas no escaninho da memória.
 E vou fazendo comparações com o Rio do século passado e o Rio do presente.
 Como sempre, tomo um ônibus com destino ao Castelo (Bairro), com itinerário pelas avenidas Rio Branco e Presidente Vargas.
 Hoje tomei um ônibus de uma nova linha que antes da Central do Brasil virou à direita e passou a percorrer logradouros na região que morei no ano de 1950. Passei na Avenida Henrique Valadares onde residi numa pensão, e na Praça da Cruz Vermelha.
 Na Rua da Relação está a famosa penitenciária onde eram aprisionados os inimigos da ditadura Vargas.
 O edifício, lúgubre, desativado, há muitos anos, em ruínas, está, para o meu espanto, em obras de recuperação, visando a alguma utilidade que desconheço.  Nele estiveram presos Graciliano Ramos e Luís Carlos Prestes.
 Na Rua Riachuelo, seguinte, visualizo um edifício de tamanho descomunal. Suponho-o capaz de abrigar a população de pequenas cidades, existentes neste imenso Brasil.
 Chego à Rua do Ouvidor, outrora a rua mais chique e famosa da cidade. Vi trabalhos de recuperação do leito e das calçadas, mais esburacadas do que a Lua.
 O cansaço apossou-se deste velho corpo. Os sinos de uma igreja da Rua do Rosário dobravam 12horas. Tomo uma van e regresso à Ilha do Governador.


13.          São 14h. Acabo de assistir um “show” fantástico que acontece no apartamento do meu filho, sito na Ilha do Governador, Rio de Janeiro.
 A minha neta, Ana Carolina, de apenas 13 anos de idade tocava ao piano a “Cidade Maravilhosa”.
 Pertence a ela um cão Basset de nome Totó, da cor marrom. Este cachorro merecia a pena de um grande escritor e como resultante, um filme.
 Segundo a doutrina espírita os animais são
dotados de períspirito. Contudo, me parece que o Totó tem alma.
 É inacreditável a sua inteligência, como também é dono de um instinto especial.
 Então, a neta passou a tocar a dita música numa flauta. E para minha surpresa e perplexidade, o Totó com os olhos vidrados no instrumento musical, começou a latir, ou melhor dizendo, a cantar no seu idioma, acompanhando a música.
 Calou-se, após uns 10 minutos, juntamente com a flauta.
 A cena inusitada foi fotografada pela governanta como prova do raríssimo acontecimento.
 São muitos os predicados desse Basset. Atua de porteiro sempre que alguém toca a campainha ou bate na porta.  Latindo, cumprimenta quem chega.
 Tem quarto e cama numa área anexa à cozinha. Não aprecia a comida de cachorros. Quando alguém come ele “fala” balançando vigorosamente o rabo e o olhar fixo na boca da gente. Às vezes salta para apropriar-se de um bocado.
 Não gosta da solidão. Está sempre junto a alguém. A mãe da Carolina acaba de comprar um sofá de luxo. Quando ela se acha ausente ele deita-se e dorme de patas para cima, feliz como um príncipe das “Mil e Uma Noites”.
 O pai é odontólogo. Tem consultório em Botafogo. Às seis horas, antes de ausentar-se, leva o Totó para passear e satisfazer as naturais necessidades.
 Regressa ao lar às 22 horas normalmente. Embora cansado, antes da refeição, repete o passeio da manhã.
 O Totó não se relaciona com os de sua raça. Quando late um cachorro da vizinhança ele responde entusiasmado. Não tem namorada.
 No meu conceito são infelizes os animais em cativeiro.




15.            Terminados os meus compromissos com médicos (11), laboratórios e literários, decidi-me a esmiuçar as artérias do Centro desta fantástica cidade, onde pulsa o coração do Brasil.
 Às 13h de hoje, após o almoço, desço o morro em cujo cocuruto se situa o apartamento que me abriga, com a súbita intenção de circular por logradouros esquecidos ou desconhecidos.
 Desço na Avenida Passos e sigo até os Correios na Rua Uruguaiana, após o que, desço a Rua Buenos Aires e sigo até o Saara.
 Retorno. Chego a Rua Luís de Camões que percorro até o Largo do São Francisco.
 Nessa rua passo na porta de um SEBO apinhado de livros. Não resisti à vontade de penetrar.
Um pensamento que mofava no baú da memória aflorou.
 Lembrei-me de perguntar se havia naquele acervo algum livro de Coelho Neto. Desde jovem eu sabia de sua fama de escritor, autor de mais de cem livros. Acadêmico da ABL. Sabia, também, que a critica o acusava de prolixo, verborreico, no estilo de Ruy Barbosa.
 Talvez por esse motivo eu nunca me interessava por suas obras.
 Hoje, porém, o diabo da curiosidade levou-me a conhecer Coelho Neto.
 O livreiro mostrou-me o livro “Obra Seleta” (1446 páginas), organizado por Afrânio Peixoto.
 O preço: R$ 40,00, mas choraminguei e comprei-o por R$30,00.
 Satisfeito com esse achado, prossegui a caminhada e na mesma rua avistei um edifício de tamanho colossal, com balaustradas de ferro às dezenas. Passei alguns minutos para admirar a sua arquitetura e lamentar não conhecer essa ciência a fim de decifrá-lo.
 Logo adiante chego ao histórico Largo São Francisco de Paula.
 Vejo um enorme edifício colunado à semelhança da arquitetura grega do passado. No topo tremulava a bandeira do Brasil, indicando que o edifício faraônico pertencia ao Governo Federal.
 Curioso para obter informações, adentrei-me. Um gentil funcionário informou-me que ali existia a primeira Faculdade de Engenharia do Brasil. Agora estão em atividade três Faculdades de Ciências Sociais.
 No mesmo largo ou praça, situa-se a antiga e bela igreja de São Francisco, orgulho da nossa engenharia. Nela penetrei pela primeira vez na década de 1950.
 No centro do largo, vejo uma imponente estátua. Aproximo-me com a intenção de ler os dizeres gravados. O monumento está cercado por grossas grades. Em seu torno jaziam mendigos que dormiam às 15h e dois indivíduos malvestidos estavam sentados.
 Aproximei-me o máximo recomendado pela prudência e li: 7 de setembro de 1822. Olhei o rosto que me pareceu ser de José Bonifácio.
 O cansaço me aconselhava a chegar ao ponto de ônibus na Rua 1º de Março, a fim de voltar para a Ilha.
 Atravesso a Avenida Rio Branco. Cruzo com a mulher mais gorda que já vi. É incrível que as suas pernas suportem o seu corpo volumoso. Passo a observar-lhe até que desapareceu no meio da multidão.
 E por incrível que pareça, logo adiante, na mesma Rua do Ouvidor que já foi cosmopolita ao tempo de Olavo Bilac, cruzei com um sujeito sujo e malvestido, acompanhado por um cão da raça policial, sujo e magro como o dono. E sem coleira.
 Vê-se nas ruas do Rio, tipos humanos esquisitíssimos, semelhantes aos vistos na Índia.
 Atravesso a rua 1º de Março e, por felicidade, no mesmo momento para perto de mim um ônibus de luxo. Entro e gozo do ar condicionado. O trânsito fluía rápido, tanto que o ônibus chegou à Ilha em 40 minutos.
 Ao chegar ao lar começo a escrever esta crônica enquanto os fatos ainda estão vivos na memória.


22.     Nesta cidade tenho visto coisas incríveis, notadamente gente, e seus comportamentos.
 Nesta manhã atacada de frio, muito agasalhado com roupas quentes, decidi-me ir ao Centro da cidade.
 Na Ilha, entro num ônibus de luxo (R$ 6,50 a tarifa) que trafegava pela Linha Vermelha.
 A larga Avenida Bicalho é cortada por um canal de águas muito poluídas.
 Numa de suas margens e já próximo ao lugar onde mergulha e desaparece, divisei dois estranhos indivíduos.
Um lavava roupa. O outro tomava banho de cuia. Ambos vestiam “shorts” e estavam sem camisa! Incrível!
 Eram nove horas de um dia frio, sem sol.
 Desço na Avenida Rio Branco com a Rua Ouvidor.
Vejo na calçada da mais importante avenida desta fantástica URBE (Rio Branco) uma mulher gorda como um hipopótamo, que numa barraca improvisada vendia refrigerantes e comida que não reconheci.
 Apesar dos seus talvez 150 quilos, movia-se sem mostrar dificuldade.
 Ainda no ônibus, uma senhora elegante, bonita, aparentando 40 anos, sentou-se numa poltrona ao meu lado. Não parecia ser obesa. Na minha visão tratava-se da mulher mais robusta do meu conhecimento. A sua coxa de maior grossura do que o meu tórax.
 Cruzo com muitos homens com altura próxima ou superior a um metro e noventa, o que me causa inveja.
 As ruas do Centro, abandonadas há bastante tempo, estão sendo recuperadas pela prefeitura. A Rua do Ouvidor e outras estão esburacadas como se tivessem sido bombardeadas por aviões de guerra da OTAN.





23.            No próximo dia 30, um avião da Gol me despejará no aeroporto de Aracaju, cidade onde o Destino determinou-me assistir ao apagar das lâmpadas coloridas do meu crepúsculo.
 Assim sendo, talvez seja esta a última crônica que escrevo sobre a minha passagem por esta metrópole.
 É com ansiedade que começo a leitura dos contos e crônicas de autoria daquele que é considerado o maior romancista brasileiro: Coelho Neto. Causou-me grande admiração saber que o mesmo aos 11 anos de idade, traduzia Cícero.
 O meu interesse pelos contos e crônicas de Coelho Neto consiste no meu desejo de compara-los com os meus - se for possível a comparação da literatura da primeira metade do século XX com a literatura do século XXI.
 Seria muita pretensão da minha parte ousar ombrear-me com o grande literato, mesmo porque os nossos temas são completamente diferentes.
 De qualquer sorte, terei a oportunidade de tentar uma avaliação e localizar os pontos mais elevados do gênio de Coelho Neto e, em consequência, esforçar-me para a purificação do meu estilo na arte da composição.



27.              Visito a saudosa Praia do Flamengo.
 Não vi o rosto de nenhum amigo ou conhecido passados 15 anos; muitos deles eu sabia mortos. Um véu de tristeza encobriu os meus olhos restando apenas as lembranças de um tempo perdido.
 Demorei-me apenas uns 40 minutos. O calor, o cansaço e as mágoas me fizeram retornar ao hotel. Ligado o aparelho de ar-condicionado deito-me para descansar e dormir, numa tentativa de apagar da mente as recordações indesejadas.



29.          Passados onze meses de minha permanência nesta cidade, estou de regresso ao berço, ou seja, à cidade de Aracaju, capital do estado de Sergipe (550.000) habitantes.
 Portanto, esta será a última crônica que escrevo sobre essa cidade.
 Nessas crônicas relatei apenas os fragmentos que me pareceram mais destacáveis.
 Se fora escrever sobre tudo que foi visto pelos meus olhos cansados, certamente preencheria as páginas de livros volumosos.
 Para não cansar o leitor, digo, agora, apenas uns relâmpagos informativos das minhas atividades.
 Em um ano, viajei de van, ônibus, táxis e metrô cerca de 8.000 quilômetros.
 Subi e desci mais de 2.000 degraus.
 Consultei me com 11 médicos e sofri muitos exames.
 O último médico que me consultei, nascido na Itália, a vista dos exames que lhe exibi, deu-me um conselho:
“Não procure médicos”! Conselho este que observarei no possível.
Um conhecido especialista recomendou-me sustar o uso de dois medicamentos, para a economia do meu bolso.
 Confirmou-se a minha suspeita de que sofro das mazelas da idade, que apenas incomodam, porém não me causam a morte, por enquanto.
 Sinto-me confiante de que viverei mais um tempo suficiente para publicar os meus 13 livros e chegar às portas da Academia Sueca para pleitear o Prêmio Nobel de Literatura.
 Que assim seja.

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