UM SERTANEJO
EM NOVA YORK________
Parece
fantasia a notícia de que um menino sertanejo tivesse um dia visitado Nova
York.
A
admiração pelo feito cresce de importância porque a viagem realizada àquela
admirável cidade, símbolo da grandeza dos Estados Unidos da América do Norte,
não foi de turismo. O sertanejo tabaréu esteve por duas vezes na capital
financeira do mundo, como auditor, tendo por missão fiscalizar as operações
financeiras de uma importante Trading- Company brasileira.
Era
inverno nos EE. UU..
Recebi
instruções para viajar a Nova York a fim de auditar as contas da filial ali
sediada.
Enquanto providenciava passaporte, visto de entrada naquele
país e outros detalhes, comprei um guia turístico e estudei a contabilidade
norte-americana, dia e noite. Repassei os conhecimentos de inglês que se apagavam
da memória. A história e a geografia daquele gigante eu conhecia
satisfatoriamente, pois fui sempre estudioso dessas matérias, mas por
curiosidade do que por necessidade.
Afinal
chegou o grande dia.
Entrei
num avião da Varig e após nove horas de vôo eu me achava no enorme aeroporto
Presidente Kennedy. Registro um tremendo susto quando já sobrevoava o
território norte-americano. Penetrando num vácuo o avião “caiu” uns dois
quilômetros e eu temi a morte. Os passageiros se olhavam mostrando o pavor estampado
nos rostos.
Pisando
o solo de Nova York, o meu coração, tomado de emoção, me ameaçava de enfarte.
Entrei
num espaçoso taxi amarelo; forneci ao motorista o nome e o endereço do hotel
que ficava na 3ª avenida. Ao chegar ao
destino
o mal-humorado “driver” cobrou-me
US$ 40,00.Foi um roubo. Tardiamente vim
a saber que o preço correto era US$ 20,00. O episódio me alertou contra outros
roubos futuros.
O
escritório da filial ficava perto do hotel. As ruas numeradas facilitavam a
minha orientação. É impossível que alguém com juízo se perca em Nova York.
Na
segunda-feira, pela manhã, compareci à filial. Apresentei-me ao
diretor-financeiro, o qual me levou à sala do “controller”, responsável também
pelo Departamento de Contabilidade, como é de praxe no país.
O
chefe deste Departamento era um sorridente e simpático chileno, economista, ele
próprio responsável pela escrituração dos livros contábeis, nas “horas vagas”.
O tempo dele era empregado, em sua maior parte, com assuntos financeiros. Os
serviços contábeis
estavam atrasados; a escrituração precária. O chileno nunca tinha tempo
disponível para me prestar informações. Após uma semana de auditagem tive a
certeza de que a contabilidade estava à matroca.
Redigi,
então, meu primeiro relatório para a Matriz e ofereci críticas severas ao
sistema contábil da filial, indicando imperfeições e os erros encontrados. O
arquivo dos documentos parecia um museu abandonado.
Dei
cópia do relatório, como era de praxe, ao diretor financeiro, a quem o“controller”
estava subordinado.
Entrementes,
me dirigi ao “controller” para solicitar esclarecimentos a respeito de
lançamentos contábeis, para reclamar do atraso da escrituração e da ausência do
seu responsável, o chileno.
E dessa entrevista percebi que o contador
americano, judeu, não supervisionava a
contabilidade.
O sujeito era pernóstico e intratável.
Julgava-se um KESTER, o maior contador do mundo. Pensava ele, sem dúvida, que
um contador de país conhecido como de 3º mundo fosse um idiota.
Ao
invés de me prestar os esclarecimentos solicitados, o indivíduo mostrava-se
soberbo e mostrava na face as rugas da indignação. Para humilhar-me, disse em
voz alta: “eu sou Contador P.H.D.”. Caprichando na pronúncia das palavras
inglesas, perguntei-lhe: “em quantas línguas o senhor estudou contabilidade? ”
Respondeu: “só falo inglês. ” Muito bem contador P.H.D., eu estudei
contabilidade em quatro línguas. Não sou P.H.D. como o senhor, pois não temos
esse curso no Brasil, entretanto vejo que sua contabilidade é “shit” {merda}.
E retirei-me.
O diretor já havia informado a ele o
teor do meu relatório.
Após a citada entrevista, o sujeito foi ao
diretor fazer “fofoca”.
Ele era brasileiro há muitos anos
radicados nos EE. UU.. Extremamente simpático e educado.
Mandou chamar-me e fez um longo arrodeio
antes de me dizer o que desejava. Em certo momento, disse: “o nosso
“controller” pode não ser o mais competente contador dos Estados Unidos, mas é
P.H.D. e um profissional de valor”. Eu pressenti que ele me chamava á atenção,
de uma forma discreta e cavalheiresca.
Eu me queixei da recusa do seu auxiliar
em esclarecer as minhas dúvidas; que a contabilidade era malfeita e atrasada e
mais ainda que o economista chileno nunca tinha tempo disponível para conversar
comigo. A entrevista terminou aí. Pedi licença e me retirei prometendo um novo
relatório que já estava redigido. Nesse segundo documento critiquei duramente
os serviços contábeis e o “controller” responsável.
Demorei nessa auditoria, quase dois
meses. Escrevi muitos relatórios que somaram umas 200 páginas.
Telefonei para o Presidente pedindo
permissão para regressar ao Brasil, pois considerava desnecessária minha
permanência em Nova York.
Antes da viagem tive a informação da
demissão do “controller” P.H.D. que tentou me humilhar com seu pomposo título.
E assim, um filho do sertão retirou do seu “trono” um contador P.H.D., nos EE.
UU..
Ainda demorei-me em Nova York, já agora
numa missão mais agradável: TURISMO.
Nu
sábado ou domingo eu tomei uma rua que levava ao HARLEM.
Na fronteira desse bairro violento, de
fama mundial, perguntei ao jornaleiro se aquela hora {meio-dia} eu poderia
visitar o HARLEM sem risco de vida. Ele respondeu que não me aconselhava essa
aventura.
Indiferente ao perigo, resolvi conhecer
o famoso bairro habitado por negros e latinos.
Penetrei uns 300 metros. Aqui e ali
estavam parados carros da polícia. O grande número indicava perigo. Negros
enormes consertavam, nas ruas, os seus Cadillacs. Uma mulher negra costurava
roupas numa máquina portátil sentada no batente da porta de sua casa que
ameaçava desmoronar. Vi muitas casas e apartamentos sem portas ou janelas, bem
como imóveis incendiados. Aquilo era uma horrível favela sem paralelo no Rio de
Janeiro. O ambiente metia medo a uma hiena. Lembrei-me dos conselhos do meu avô
sertanejo e bati em retirada.
Outro dia resolvi visitar o túmulo do
lendário general GRANT, herói da Guerra de Secessão e presidente dos EE. UU..
Situava-se no topo de uma colina
isolada, deserta, à margem do HARLEM. O túmulo simples, modesto, sem pompa,
como é usual nesse país.
Permaneci ali alguns minutos. E
mentalmente recordei a história daquela estúpida guerra do norte contra o sul;
irmãos matando irmãos. E ali, naquela sepultura abandonada e silenciosa estavam
os restos mortais do vencedor.
Temendo assalto, desci a colina e voltei
para o hotel.
Em outro dia me decidi a percorrer a
“Broadway”, a rua mais comprida de Nova York, segundo o guia.
Saí do hotel às sete horas de manhã de
sol em direção ao norte da ilha de “ Manhatman”, coração de Nova York.
Atingi o início da famosa artéria e
iniciei a caminhada. No trajeto eu ia descobrindo igrejas antigas e monumentos
suntuosos. Eu parava para admirá-los. A rua é tortuosa e coleia como uma
serpente. Eu perdia o rumo e tinha dificuldade, às vezes, para reencontrá-la.
Após percorrer uns oitos ou dez
quilômetros cheguei a um edifício gasto pelo tempo, de 30 andares.
Aproximei-me por curiosidade. Uma placa
informava ser esse “arranha-céu” o primeiro construído nos EE. UU.. Mais
adiante deparei-me com um cemitério de mais de 200 anos onde estavam enterrados
vultos da história do país, inclusive Hamilton.
Entrei na MACY’s, a maior loja de
departamentos do mundo.
A minha jornada prosseguia, após uma
ligeira parada para uma refeição. A noite se aproximava para substituir o dia
quando cheguei ao fim da rua mais famosa
da cidade.
Tinha caminhado 18 quilômetros. Estava cansado. As pernas doíam. O corpo pedia
uma cama macia. Resolvi voltar de metrô. Entrei na estação mais próxima. Havia
três linhas superpostas. Na dúvida, perguntei a uma negra gorda sentada no chão
em companhia de crianças qual linha eu deveria tomar para descer na estação 46.
Não entendi a resposta falada numa espécie de dialeto da raça negra americana.
Passava um senhor a quem interpelei. Disse: “siga-me”. E deu certo.
Cheguei ao hotel em estado lastimável. Dormi
umas 15 horas.
Outro dia resolvi conhecer a maior
livraria do mundo. Permaneci no seu interior, admirando livros fantásticos,
umas quatro horas. A fome chegou e eu resolvi sair daquela pirâmide. As
prateleiras ocupavam vários andares do sub-solo. Eu não sabia em que andar me
encontrava e evitava perguntar. Já em estado de desespero dirigi-me a um
funcionário que portava no peito esbelto, um enorme crachá. O rapaz me conduziu
a um elevador, apertou um botão e eis-me na rua novamente, aliviado.
Uma das minhas últimas “adventures” em
Nova York consistiu em subir o “Empire States” e o “Word Trade Center”, este o
segundo mais alto edifício do mundo: 110 andares. Lá do topo vê-se os
automóveis pequenos como baratas.
Eu não desejava voltar ao Brasil sem
visitar a capital americana- Washington. Fui lá em excursão de ônibus.
Hospedei-me num hotel de 2.000
apartamentos; grande como o Coliseu. Claro que eu me perdia no seu
recinto.
Visitei a fazenda do primeiro presidente
americano onde está a sepultura do casal. A residência é museu. A cidade é
linda. As largas avenidas arborizadas com cerejeiras que estavam floridas.
Diferentemente
de Nova York a numeração das artérias de Washington é complexa. O transeunte
alienígena pode se perder mesmo que carregue uma bússola.
Estive no museu espacial, o maior do
mundo.
Os monumentos colossais, especialmente o
de Lincoln.
Visitei o Congresso. Tive dó dos
deputados e senadores norte-americanos pela simplicidade dos móveis e outras
instalações. Mentalmente fiz comparação com o brasileiro e pensei: parece que o
país mais rico do mundo é o Brasil! E me senti orgulhoso da minha pátria.
Viajamos para o interior da Virgínia a
fim de visitarmos uma gruta colossal, cuja descrição daria um livro.
Finalmente,
visitei o fantástico museu de cera da cidade.
Após quatro dias de emoções
indescritíveis, o grupo de turistas voltou a Nova York.
No dia seguinte, ao meio-dia, um homem
gritava: “Kombi para o aeroporto Kennedy; cinco dólares”. Nevava muito. O meu
avião decolaria às 22 horas. Fazia tanto frio que até PINGUIN reclamaria.
Temendo
uma tempestade, apanhei a mala e entrei no veículo.
O
avião da Varig decolou no horário previsto.
Resfolegado na confortável poltrona
tomei uma dose de whisky e, aliviado, suspirei profundamente.
Voltava ao meu país!
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