quarta-feira, 5 de abril de 2017

DÚVIDA DA DÚVIDA



                 
                           DÚVIDA DA DÚVIDA
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 Eu duvido da existência de Deus.
 Eu duvido da existência do Diabo.
 Eu duvido da existência de Jesus Cristo.
 Eu duvido da existência de espíritos.
 Eu duvido da vida eterna.
 Entretanto, acontecem-me, frequentemente, fenômenos extraordinários, fantásticos, sem explicação, que me fazem duvidar da dúvida.
 Consulto meu sábio neurologista e ele simplesmente diz que minha mente é responsável por tudo isso.
 Em sonho, converso com parentes, amigos, pessoas conhecidas e até mesmo desconhecidas, vivas ou mortas. As conversas ora são rápidas e ora são demoradas.
Muitas vezes duram horas.
Lembro-me de muitos diálogos, mas, geralmente, deles não me recordo ao acordar.
 Às vezes, desperto à noite ouvindo alguém gritar meu nome: Valadares! Valadares!
 Independentemente da minha vontade, sinto estranhos calafrios. Levanto-me. Abro a geladeira, bebo água. Apanho um livro e leio até a volta do sono.
Outras vezes (não afirmo se estou acordado ou não), sinto a aproximação em direção à minha cama de um ser que eu pressinto não pertencer a este mundo. Tenho medo. Quero gritar mas a voz fica aprisionada na garganta. Um braço congelado me aperta e, ofegante, pulo para fora da cama muito intrigado.
 Os meus sonhos são coloridos e tão reais como a luz do sol.
 Em sonho converso (raramente) com parentes mortos há muitos anos, como meus pais e avós.
 O meu irmão mais velho tinha pavor da morte. Morreu recentemente de enfarte, quando nadava na piscina de um clube.
Quando criança não fomos amigos. Ele era forte e três anos mais velho do que eu. Era brigão e meu pai recebeia muitas queixas de pais de crianças que ele espancava nas ruas da cidade onde morava. Eu fui criado com meus avós numa fazenda do sertão. Reuni-me à família (éramos nove irmãos) aos dez anos de idade. Naquela que para mim era uma cidade grande, estranha e perigosa, o meu irmão ao invés de me proteger das “gangues” era o primeiro a me hostilizar. Divertia-se chamando-me de “tabaréu” e muitas vezes eu o persegui pelas ruas para bater-lhe com uma acha de lenha.
 Meu pai costumava espancá-lo com seu largo cinturão por qualquer motivo (tolo ou não), e esse meu irmão, ainda de menor idade, fugiu para a capital da Bahia e mais tarde ingressou no Exército, apesar de um braço aleijado por queda de cavalo.
 Entretanto, na idade adulta, aquelas brigas de Infância foram esquecidas e nos tornamos bons amigos para sempre.
 Estranhamente, contudo, em sonhos frequentes ele se apresenta violento. Nunca fala. Me agride de várias maneiras, muitas vezes a socos e pontapés. Ora me ataca de faca ou atira em mim com um revólver. Certa vez, surgiu em minhas mãos um revolver e eu revidei dando-lhe vários tiros. Ninguém foi ferido, evidentemente.
 Estou sempre correndo risco de vida quando durmo e sonho. Às vezes, sou atacado por bois pretos, enormes, pontudos. Outras vezes sou perseguido por cobras venenosas que se enroscam ao meu pescoço e aproximam, devagarinho, do meu rosto, suas bocas peçonhentas; a língua para fora dançando como uma bailarina. Acordo apavorado e me salvo!
 Bandidos a pé ou em automóveis atiram em mim até de metralhadoras. Deito-me ao chão e fujo me arrastando para escapar das balas que passam perto de mim sibilando.
 Frequentemente sou “quase” atropelado por automóveis, caminhões, bondes e trens e me acordo no ápice do perigo, ofegante.
 Indivíduos mal-encarados, bandidos ameaçam-me com facas.
 A coisa é tão séria que consultei meu neurologista se eu correria risco de vida nesses sonhos, inclusive a possibilidade de um enfarte. Ele se limita a me tranquilizar.
 Ademais, eu assisto com assiduidade acontecimentos violentos nas ruas de cidades, especialmente do Rio de Janeiro. Acidentes de veículos, crimes, tumultos, tiroteios.
 Recentemente, presenciei um assassinato bárbaro (em sonho). Eu estava na calçada de uma rua de Botafogo (Rio), aguardando o momento de atravessá-la. Nisto, um automóvel preto bateu no fundo de um outro que, à sua frente parava no semáforo. Os motoristas saíram dos veículos e um deles, sem dizer uma palavra, enfiou no coração do outro uma faca enorme. O sangue da vítima esguichou e quase me salpica. Claro que acordei apavorado, transpirando, como teria acontecido se aquele episódio tivesse sido verdadeiro.
 Já participei de muitas guerras. Inclusive na Segunda Guerra Mundial, como soldado francês entrincheirado.
 Vejo centenas de tanques de guerra em movimento e atirando uns contra os outros; centenas de aviões de combate lutando no céu. Chego a ver, nitidamente, os rostos dos aviadores portando seus óculos especiais. Vejo, ainda, Exércitos em luta de baionetas, de fuzis, metralhadoras e canhões. Vejo milhares de soldados mortos ou feridos gemendo de dor.
 Entretanto, sofro muito e tenho medo quando nadando em oceano encapelado ou em rios caudalosos. No momento em que precinto a morte, acordo aliviado.
 Mas também tenho sonhos agradáveis, felizes.
 Abraço e beijo mulheres maravilhosas, semelhantes à deusa Afrodite ou Palas Ateneia.
 Viajo, de avião, para muitos países. Na vida real eu já voei de avião mas 600 vezes. E quando sonho acontecem as mesmas coisas e sensações do voo realístico. O avião levanta voo, lotado. A aeromoça transmite instruções aos passageiros para os casos de perigo no curso da viagem. As aeromoças e comissários de bordo servem comidas e bebidas aos passageiros. Eu bebo vinho, whisky e como sentindo o paladar.
Muitas vezes para minha tristeza, acordo antes do avião chegar ao destino. Outras vezes chego a Londres, Paris, Índia, Marrocos, Buenos Aires, etc. Hospedo-me em hotéis de luxo, troco dólares pela moeda local, participo de muitos eventos da cidade, tudo igual à vida real. Visito países árabes. Quando percorro as ruas apinhadas de gente estranha e desconhecida fico intrigado porque não compreendo o idioma que ouço, nem os letreiros que vejo nos frontispícios das lojas.
 Em sonho estive duas vezes no Japão (Tóquio) e me perdia a todo o instante devido ao caos de indicações das ruas e de endereços. Pedia informações aos transeuntes, em Inglês e outras línguas que falo, mas ninguém me compreendia e não me davam atenção. Não gostei do Japão nos meus sonhos e suponho que não gostarei se um dia for nesse estranho país do Oriente.
 Faz muito tempo que eu tive o sonho mais fantástico de toda a minha existência.
 Sonhei que visitava o inferno, embora ainda não tivesse lido A Divina Comédia, de Dante.
 Acredito que, caso exista mesmo inferno, não será diferente daquele que eu visitei numa noite de sonho.
 Entrei no recinto da Casa de Hades, acompanhado por uma guia jovem e falante. Logo no hall divisei o Diabo de chifres enormes, sentado junto a uma mesa de comprimento descomunal. Deveria ser mesa de reunião dos seus exus. O rosto dele era grave, as barbas ralas, pretas. Muito parecido com as fotografias que conhecemos. Assustei-me quando vi o inimigo de Deus, porém não tive medo nem desejo de cumprimentá-lo.
 O amável cicerone me introduziu num salão de tamanho descomunal, pontilhado de enormes caldeirões que expeliam chamas. De dentro deles, saiam gritos lancinantes. O meu guia explicava-me que esses gritos eram de almas de suicidas condenados ao fogo eterno. Acredito que o meu passeio no inferno tenha prosseguido, porém somente me lembro da visão dos caldeirões.
 Eu gostaria muito de sonhar visitando o céu. Infelizmente, ainda não tive essa oportunidade, talvez por ser ATEU.
 Nos últimos dias tem me acontecido, repetidamente, um fato insólito, estranho e inexplicável, durante as noites.
 Confesso que ignoro se estou dormindo, acordado ou em estado de devaneio.
 Alguém gordo como a minha esposa se deita ao meu lado, pesadamente. Empurra-me e respira fungando, exatamente como ela faz. Alguns segundos ou minutos depois, eu abro os olhos e a cama está vazia. Minha esposa é brincalhona, galhofeira e eu estava desconfiado de serem artimanhas dela. Mas não era. Na última noite tive essa confirmação, essa certeza.
 O fenômeno se repetiu. Eu estava prevenido para agarrá-la nesse exato momento. Quando o “fantasma” deitou-se ao meu lado eu estava possivelmente acordado e gritei: “dessa vez você não me escapa”. Eu disse isto porque estava seguro que minha esposa estava me pregar peça. Tentei abraçar, com força aquele corpo volumoso. Não havia ninguém. Abracei o vácuo. Desci as escadas apressadamente e ela dormia no sofá da sala onde assistia à programa de televisão.
 Confesso que me assustei, embora ATEU. Li durante toda a madrugada e escrevi estas histórias de sonhos, em tudo semelhante às histórias macabras de Edgar Allan Poe.
 E para encerrar, escrevo mais um fato pavoroso.
 Esta noite sonhei que atravessava as águas correntes do rio que percorria a fazenda do meu avô, no sertão de Sergipe, quando da minha infância. De repente, vi com a nitidez como que vejo o Sol, o cadáver nu de um adulto descendo a correnteza lentamente. Quase se esbarra em mim. Aquela visão macabra me transmitiu uma espécie de choque elétrico. Acordei sobressaltado. Livrei-me dos braços macios do deus do sono. Não dormi mais. Escrevo estas últimas linhas quando o Sol já desponta no horizonte, para
afastar os fantasmas que se decidiram a me assombrar.
 Para contar “todos” os meus sonhos, eu escreveria livros que somassem, talvez, 500.000 páginas. Mas este resumo já me parece suficiente para suscitar na mente dos meus leitores um dilúvio de interrogações e perplexidades sobre esta coisa misteriosa que é o sonho.
 E por tudo isso, confesso: “eu tenho dúvida da dúvida”!

Ilhéus, 22-07- 2000

 Edson Valadares

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