CRÔNICAS
AVULSAS
Caros
leitores:
Na manhã de hoje, quando o Sol surgia no
horizonte, arrebentou-se o dique da minha memória. O resultado foi a crônica da
minha infância que ora divulgo, na confiança de que possa agradar aos amantes
deste gênero literário, um tanto esquecido no tempo atual.
CRÔNICA
DA MINHA INFÂNCIA
2015
OUTUBRO
23.
De um a dez anos de idade, vivi na fazenda Boqueirão, pertencente aos
meus avós, Estandislau Carlos de Almeida e Maria Fabrícia de Almeida.
A fazenda tinha uma área de alguns quilômetros
quadrados. Situava-se em pleno sertão do município de Tobias Barreto, estado de
Sergipe. Ficava a 6 quilômetros da vila da Samambaia, onde aos nove anos,
conclui o curso primário.
A fazenda era um paraíso terrestre
desconhecido.
Era cortada por uma cadeia de montanhas, cobertas
de árvores de várias espécies. Na primavera, os ipês enfeitavam o ambiente.
Um rio caudaloso, também denominado Boqueirão,
atravessava a fazenda. O seu leito era pedregoso, e, por causa disso, ouvia-se
ao longe as suas águas cantantes.
Quando ocorriam tempestades o rio produzia
ondas perigosas para quem ousasse atravessá-lo.
Certa vez, eu seguia o meu avô, homem de alta
estatura e forte como um touro. O rio parecia calmo.
Ao atravessarmos, uma súbita onda derrubou-me e
arrastava-me.
Ao ouvir os meus gritos, ele nadou em minha
direção e salvou-me.
Havia, também, um riacho manso, onde eu nadava.
Secava no verão.
Árvores frutíferas, em grande quantidade,
faziam a festa dos passarinhos que se alimentavam dos seus saborosos frutos.
Eram cajazeiras, umbuzeiros, goiabeiras, cajueiros
e outras.
Uma grande quantidade de cobras venenosas ou
não, infestavam o campo e as montanhas.
Muitas e muitas vezes o Destino salvou-me das
suas picadas e da morte.
A fazenda colossal dividia-se em duas partes.
Uma para a agricultura, outra para a criação de
bovinos, equinos, caprinos e ovinos.
A minha avó mantinha um aviário com centenas de
galinhas e frangos.
De vez em quando, uma ardilosa raposa
banqueteava-se às madrugadas com uma galinha, a sua comida preferida. Minha avó
praguejava!
Eu me encontrava com crianças da minha idade
somente na escola.
Os meus únicos amigos eram: o meu cavalo, o
cachorro Robalo e animais de estimação.
Havia na fazenda uma vaca de nome Lavadeira.
Era perigosa. Somente o meu avô tirava o seu leite.
Essa vaca era minha inimiga figadal. Ao me
enxergar, mesmo ao longe, corria em minha perseguição, desejosa de me furar com
os seus chifres afiados.
Muitas vezes fui salvo pelo meu fiel e amigo cão.
Ele morreu aos 20 anos de idade. Pela primeira
vez, os meus olhos verteram um caudal de lágrimas. Jamais o esqueci.
As minhas lembranças da infância são várias.
Muitas se acham relatadas no meu livro CONTOS do SERTÃO, publicado na internet
pela Editora AMAZON.
Destaco, nesta crônica, as duas que mais me
instigaram.
Nasceu um bezerro preto com uma estrela branca
na testa. Jamais eu havia visto outro igual.
Adotei-o como meu amigo e companheiro de
brincadeiras.
Dentre essas brincadeiras, costumávamos dar
cabeçadas um no outro.
O meu amigo foi crescendo e eu não percebia.
Num certo dia, eu tomei a iniciativa da
brincadeira. Ele deu-me uma marrada forte e atirou-me ao chão. Chorei muito e
cortei relações com ele.
O meu avô, ciente do acontecido quis matá-lo,
porém não permiti.
Aconteceu outro caso semelhante.
Nasceu um carneirinho branco como a neve.
Convidei-o para ser meu amigo. Essa amizade
durou até quando ele se tornou um carneiro, e também deu-me uma marrada
perigosa.
Quando completei dez anos, a minha família,
composta dos meus pais e de oito filhos, morava na cidade de Boquim, que ficava
próxima do mar.
O meu pai almejava que os seus filhos
estudassem e obtivessem diplomas de curso superior. Então, fui reunido à
família que me parecia estranha. O meu relacionamento com os meus irmãos era
frio e distante.
Apenas eu e uma irmã realizamos o desejo do meu
pai.
Na maioridade, cada um de nós tomou o seu
destino.
ARTHUR RUBINSTEIN
Era aniversário de Deus.
Todas as luzes do Universo foram acesas.
Bilhões de fogos de artifício celestiais
cruzavam-se no céu, provocando incêndios nas estrelas.
A orquestra sinfônica de Deus tocava em Sua
homenagem. O regente e os músicos – entidades divinas – estavam conduzindo o
mais fantástico e sublime concerto jamais realizado em homenagem ao Criador do
Universo.
Um bem-aventurado pianista se destacava na
orquestra, porque o seu instrumento musical “inventava” os acordes mais suaves
à audição daquela plateia divina. Ele era gênio, gênio criado pelo Ser Supremo,
seu Pai.
Depois que os divinos sons musicais se perderam
nos confins do infinito, Deus, o Pai misericordioso de todos os homens, pensou
e decidiu emprestar ao planeta Terra o seu artista preferido. Por essa razão,
no seio do povo eleito – o povo judeu – nasceu ARTHUR RUBINSTEIN.
Aqui na Terra, embora tivesse o seu espírito
aprisionado no corpo carnal, Rubinstein manteve a sua genialidade.
Foi ele, sem dúvida, graças à sua origem e
posição no céu, o mais elevado virtuoso da música clássica executada em piano.
Especialista em interpretar música de Chopin,
conseguiu ultrapassar o próprio gênio polonês. Era um legitimo gênio musical e
homem de soberbas virtudes.
Como Rubinstein, nasce um em cada século.
Assim como a água mata a sede das entidades
vivas, a música do gênio mata a sede musical do nosso espírito.
Quando tocava piano, os dedos deslizavam nas
teclas com frêmitos elétricos produzidos pelo entusiasmo e magia da sua alma.
A sua alegre e inconfundível cabeleira branca
tremeluzia nos mais importantes cenários do mundo como uma bandeira hasteada a
farfalhar por causa da ventania.
Finalmente, cumprida sua missão divina na
Terra, ele foi chamado ao céu para ocupar o seu lugar, como pianista
privilegiado, na orquestra sinfônica de Deus.
Rio de Janeiro, 1994.
Edson Valadares
Nota: Esta crônica foi
escrita em homenagem ao grande pianista por ocasião das comemorações do seu
centenário.
Rubinstein nasceu em
Lodz (Polônia) em 1889.
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