2010
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NOVEMBRO
4. Amanhece o dia.
Levanto-me
para às 8h. ir à Clínica de Fisioterapia. Numa cama dura e forrada de plástico
da cor preta, permaneço deitado e imóvel 1h30, como se estivesse de castigo na
minha infância.
Acreditava
que neste dia de sol ardente, não houvesse novidades dignas de contar nestas
páginas.
Lembrei-me,
então, que havia consulta marcada com o meu cardiologista no hospital
Pró-cardíaco.
Nada
aconteceu que me causasse preocupação. O relógio indicava 14h.
De
metrô, chego à Estação Catete. Penetrei numa loja e comprei por R$ 50.00 um
travesseiro mais alto e confortável daquele que uso atualmente, o qual me causa
dor na coluna cervical.
Antegozo
o momento da inauguração e de um sono tranquilo.
Por causa do travesseiro tomei um taxi e me
dirigi à Avenida Churchil onde fica o ponto inicial do ônibus para a ilha do
Governador.
Vestindo
a roupa de cronista desta cidade, os meus olhos perscrutavam os fatos que
aconteciam no meu caminho e as mudanças que esta enorme URBE sofreu nos 16 anos
da qual estive ausente.
O
ônibus percorreu a Rua 13 de Março e chegou à embocadura da Avenida Presidente
Vargas que, segundo se diz, é a Avenida mais larga do mundo.
Embora
já fosse 13h40, o trânsito estava congestionado. Em passo de tartaruga, demorou
40 minutos para chegar ao início da Avenida Brasil.
Uma
passageira comentava que na hora do “rush” a situação seria pior.
Ainda
na dita avenida, estive matutando que nela não se construíra arranha-céu nos
últimos 20 anos.
E
ocorreu-me uma surpresa.
Próximo
à Praça da República estavam sendo construídos dois, distantes um do outro
cerca de 15 metros.
E
eram irmãos gêmeos!
Mais
adiante via-se outro gigante.
Nota-se,
pois, que esta cidade cresce e se expande vertiginosamente, para orgulho do
povo brasileiro.
O
ônibus 328 desviou-se da estrada e penetrou no “camping” da Universidade
Federal que abriga 40.000 alunos.
Entre
os novos passageiros, destacava-se uma senhora loira, os olhos verdes como a
esmeralda, os cabelos de vênus, torneada como Galateia.
O
ônibus estava superlotado. E a deusa ficou de pé próxima a mim. Somente o poeta
se encantava com tanta beleza. Tinha o ar de professora universitária.
Não
ofereci o meu assento por impossibilidade física.
Á
minha mente acudiu um pensamento absurdo. Se eu fosse jovem e rico me jogaria
aos pés dela e juraria amor eterno.
Desci
do ônibus já vazio. A ninfa prosseguiu viagem. E sinto já saudades dela.
De
muito andar acho-me fatigado, estropiado, o corpo doendo como se tivesse sido
desancado. A esta crônica digo Boa Noite.
11. Aconteceu ontem, matematicamente, a
previsão do serviço de Meteorologia da chegada ao Rio de uma frente fria que
traz inundações e tristeza às praias e artérias da cidade.
No
começo da tarde de ontem eu me achava no centro, ansioso para ingressar numa
van ou ônibus e retornar à ilha do Governador.
De
súbito, começa uma forte ventania que sacudia a copa das árvores. O céu
enfarruscava-se. O Sol começa a sumir-se.
As nuvens provocam relâmpagos e trovões,
anunciando a visita da tempestade.
A chuva começa a cair em alguns bairros.
Agora são 16h. O céu continua nublado. O sol
ausente.
Para espantar a nostalgia que sinto quando
chove, leio uma Antologia de Poetas Brasileiros contemporâneos (setembro de
2010). Uma publicação da Câmara Brasileira de Jovens Escritores.
Comparecem no livro de 99 páginas 97 poetas?
Raros os poemas rimados. E também raros os
poemas merecedores desta classificação.
Cito dois versos:
“Invento
o cheiro do arco-íris
e sinto o gosto da tua ausência”.
Pobre poesia do século XXI.
É por versos dessa natureza que o filósofo
Platão acusava os poetas de nefelibatas.
A poesia de hoje é estéril como o deserto.
16. Na manhã de hoje fui ao escritório
do meu jovem advogado, à Rua da Quitanda.
Pretendo
recorrer à Justiça em defesa de direitos que suponho sejam legítimos.
Durante 50 anos eu frequentava o Centro da
cidade, que conhecia como a palma da mão.
E para confirmar que a minha memória se apaga
vagarosamente, como a chama de uma vela, ao voltar do citado escritório para a
Rua da Quitanda deveria rumar para a Avenida Rio Branco, ali próxima.
Surpreendentemente, tomei direção contrária e
me perdi.
Vi-me
obrigado a perguntar a um transeunte. O
jovem, com fina educação, me orientou.
A
Avenida Rio Branco, antiga Avenida Central, ficava apenas a três quadras.
Recriminei a mim mesmo, e fiquei aliviado
quando cheguei à famosa avenida, aglomerada de imponentes arranha-céus.
Chego à Cinelândia, sigo a Santa Luzia,
penetro na Avenida Churchil. Com o
espírito aliviado, tomo um ônibus para a ilha do Governador.
Pela primeira vez eu viajava naquela linha
(122); Portanto, desconhecia o trajeto.
A garoa começa a cair, e os transeuntes
procuravam abrigos. As ruas, antes
apinhadas de gente, começavam a ficar vazias.
O ônibus tomou um trajeto que eu desconhecia.
Após atravessar a Praça Mauá começa a margear
o Porto até o final, numa extensão de uns 10 quilômetros.
Navios
enormes estavam atracados e eu fico admirado como eles não afundam.
Estarreceu-me constatar a grande quantidade de
prédios abandonados na área do Porto, que é uma das mais antigas desta cidade.
Dormi durante a tarde e às 22h10 concluo esta
aventura.
18. Ontem o Sol brilhava intenso.
À
noite, porém, o noticiário meteorológico assustava o carioca com ameaça de
chuva. Previsão matemática.
O
dia amanheceu. Apolo sumiu-se por detrás de uma cortina de nuvens que começavam
a porejar minúsculas gotas de água.
Contudo,
no correr do dia a chuva intensificou-se. Eu estava no Centro da cidade,
enfrentando o mau tempo.
Gente
desprotegida estugava os passos ou corria procurando a proteção das marquises
ou abrigos.
A
água escorria nas sarjetas; semelhava a estreitos córregos. Aqui e acolá poças
de água encharcavam os calçados dos preocupados transeuntes.
E
a cidade do Rio de Janeiro semelha tristeza – As ruas diariamente bucólicas
mostravam-se vazias.
A
noite se aproxima. O céu continua invisível. Nublado. As nuvens continuam a
derramar suas frias lágrimas sobre a cidade.
O
dia de hoje, para mim, foi atribulado e triste. A minha ida a Botafogo e volta
para a Ilha, num trajeto de cerca de 60 km, afora longas e cansativas
caminhadas, me venceram de cansaço.
No
hospital Pró-Cardíaco, em Botafogo, onde fui para checar o marca passo que
condecora o meu peito, com o dr. Sá, famoso especialista, fui informado de sua
morte recente.
Cardiologista,
60 anos de idade.
E
eu, seu paciente estou vivo na véspera de festejar 87 anos!
Vê-se
que a morte é traiçoeira, inimiga da vida.
Escrevo
esta crônica no conforto do lar, na expectativa da visita do Sol amanhã.
18. A prefeitura do Rio de Janeiro está
implantando um novo e extraordinário sistema viário nesta Megalópole.
Trata-se de um ambicioso modelo de padronagem
dos ônibus comuns, excetuados os ônibus de luxo.
O preço das tarifas foi uniformizado em R$
2,40 e dá direito de o passageiro, no prazo de duas horas, tomar o ônibus de
outra linha sem pagar.
A padronização e a seguinte:
1)
Ônibus municipais. Brancos, com detalhes
de outra cor para identificar a
região.
2)
Amarelo. Zona Sul e Grande Tijuca.
3)
Verde. Zona Norte.
4)
Azul. Jacarepaguá, Barra e Recreio.
5)
Vermelho. Zona Oeste.
A frota atual, composta de 32.000 veículos,
está sendo repintada. Imagine-se o
custo, o esforço e a trabalheira. Um
trabalho digno de Hércules.
Para mim, esse sistema não é novidade. Em 1959 visitei Belo Horizonte, que já
adotava essa inteligente pratica.
Aliás, o
Rio passa por uma revolução física.
A cidade é uma fantástico canteiro de obras de várias naturezas. São obras públicas e privadas. Na Avenida Treze de Maio, que desemboca na
Cinelândia, acaba de ser inaugurada uma casa de espetáculos com capacidade para
3.000 pessoas!
Concluídas que sejam as obras previstas no
“PAC”, as obras faraônicas para a próxima copa do mundo de futebol e as das
olimpíadas, esta colossal metrópole será invejada pelas atuais maiores cidades
do mundo! Na verdade, sabe-se que o Rio
por obra da Natureza, já é a mais bela.
É lamentável que muitos brasileiros viagem
para o exterior e não conheçam a Cidade Maravilhosa.
19. Sexta feira.
Geralmente
deito-me às 21horas. Poucas vezes às 22.
Enquanto o sono não chega tenho por hábito
planejar as minhas ações para o dia seguinte.
Pensava que o dia fosse ocioso, e a única
coisa a fazer fosse a sessão de fisioterapia que me tomava duas horas
diariamente.
De improviso, altero o meu planejamento tão
inconstante quanto o orçamento nacional.
Às dez horas lembrei-me que deveria
conferenciar com meu advogado, constituído para recorrer à justiça em defesa de
direitos que presumo pleitear.
Após a entrevista me decidi ir a uma clínica
de radiologia para fotografar a coluna vertebral que me causa fortes dores.
Localizei três, no Centro da cidade.
A
mais próxima de onde eu estava ficava na Rua Buenos Aires, após a Avenida Rio
Branco.
Aquele trecho inicial dessa rua eu
desconhecia.
Daí a minha surpresa ao chegar ao
endereço. Tratava-se de um arranha-céu
(incomum nessa rua). Bonito, luxuoso.
Na clínica de alto luxo ali instalada fui
informado que deveria marcar horário.
Desisti. Eu precisava das radiografias imediatamente.
O outro endereço era de uma clínica sita à Rua
13 de Maio, próximo ao Teatro Municipal.
Eu havia sido seu cliente há vinte anos.
Retomei a fantástica Avenida Rio Branco e
admirava os seus altos e belos edifícios.
Há
um de nome Manhattan, capaz de competir com Nova York. Os arranha-céus dessa
Metrópole são mais altos, porém os nossos são mais suntuosos.
Visitei Nova York por duas vezes e lá
permaneci três meses.
As
lojas, as livrarias, os cinemas, os teatros que conheci não revelavam luxo, ou
bom gosto, o que não preocupa o americano.
Em Washington conheci o Capitólio (Congresso).
Na minha curiosa mente comparei-o com o nosso luxuoso Congresso e tive a
impressão de que a vista da pobreza do recinto, seria o Brasil país mais rico
do que os EE. UU.
Continuo
a caminhada. Aqui e ali vou descobrindo
e admirando outros monstros de concreto e vidro colorido.
Chego à clínica. Estava lotada.
Embora com direito à prioridade tive que
esperar mais de uma hora.
Passei em revista aquela gente. Todos jovens
ou de meia idade. Eu era naquele zoológico humano o único idoso. Tive a
impressão de que me olhavam com curiosidade, talvez achando que eu fosse
Matusalém.
O Brasil de hoje é um grande hospital.
Ademais,
a maior parte dos presentes eram de barrigudos, homens e mulheres, certamente
gulosos.
Lancho no McDonald's e me lembro que este é o
paraíso da Deise.
Caminho em direção ao ponto de ônibus para a
ilha. De repente, começa a ventar
fortemente. Temi ser levado ao chão.
Na vizinha Niterói o vento atingiu 100 Km.
A ventania durou minutos.
Chego
no AP, cansado, o corpo doendo como se tivesse sido moído de pancadas.
Tomei
um banho de água quente, para relaxar e logo começo a escrever essa crônica que
testemunha os acontecimentos mais marcantes que ocorreram nos últimos sóis da
minha existência neste planeta.
23. Consultei-me com o Dr. Moises Gamarski, cardiologista
extraordinário, diretor do hospital Pró-cardíaco, do mesmo nível do INCOR, de
São Paulo.
Prometeu-me,
à vista dos exames exibidos, mais uns anos de vida. Almejo que a morte permita.
A consulta foi gratuita. O Dr. Moises me estimula a me considera “O maior poeta
do mundo”!
Fui
ao aeroporto Santos Dumont, o único situado no centro de uma URBE, para comprar
a passagem para a Deise retornar a Aracaju no dia 23. No dia 27 será a minha
vez.
Na
mídia eu havia tomado conhecimento de que esse berço de aviões havia sofrido
reforma. Na verdade ele foi duplicado. De anão passou a gigante. E
provavelmente o mais charmoso aeroporto do mundo. No seu interior muitas lojas
de Nova York teriam inveja.
A cidade cresce como cogumelos na Amazônia.
Nos últimos três anos levantaram-se arranha-céus da melhor beleza
arquitetônica.
Agora
quero falar do metrô do Rio.
No
dia 22 de dezembro será inaugurada a Estação sita na Praça General Osório, em
Ipanema. Esta linha chegará à Barra da Tijuca em vista dos próximos Jogos Olímpicos.
Outra
surpresa me aguardava. Já existe a linha Pavuna Estácio, o bairro próximo ao
Centro, mas já começaram as obras da linha Pavuna-Botafogo, de uns 40 km!
Ademais,
foram criadas muitas linhas de metrô de superfície, para vários ramais.
A
malha do metrô cresce como uma teia de aranha colossal.
Não
vi sinal de crise. Tudo funciona com normalidade, ao menos aparentemente.
As
pessoas bem vestidas e calçadas. Os restaurantes abarrotados de fregueses. Num
restaurante do Centro (são cerca de 800) almocei bem por R$ 12.00.
É
de admirar o enxame de jovens (homens e mulheres) carregando mochilas nas
costas.
E
também me espantou quando vi um grande número de homens de cabeça raspada.
Dizem ser moda. Para mim uma idiotice.
A Polícia continua guerreando os infelizes
camelôs. Na rua do Catete assisti cena deprimente, desumana. Os policiais
recolhendo mercadorias dos chamados comerciantes de rua.
Muitos
deles com a aproximação dos seus algozes desmanchavam suas instalações e
escapavam carregando as mercadorias. Que absurdo!
Oh!
Que saudade do meu Rio do passado, quando os bondes circulavam expelindo
faíscas dos seus trilhos que faziam poesias, e a violência do trânsito e do
homem não existia.
A
“civilização” de hoje é materialista. Morreu a poesia!
A
licenciosidade é pública. Casais se beijam na boca no metrô sem mostrar
cerimônia. Eu diria: cinicamente.
Adeus
meu Rio! Embora carpindo saudades vou-me embora para Pasárgada, lá sou amigo do
rei.
29. O dia de hoje foi tão exaustivo e
intrigante que me causou fadiga e preocupação.
Ao sair da clínica de fisioterapia parou no
ponto um ônibus com vistosa indicação de que o seu itinerário era a linha
vermelha e o destino o Castelo (Centro da cidade).
Ao chegar a Avenida Presidente Vargas o
veículo virou à direita e passou a trafegar por uma região tão desconhecida
como Bagdá.
O trânsito estava congestionado, a viagem
demorou 1h30, quando o normal seriam 50 minutos.
De repente diviso o edifício da PETROBRAS que
espantou a minha desorientação.
Mas, para a minha surpresa o ônibus em vez de
prosseguir viagem recuou uns 500 metros.
O motorista nada avisou-nos. Os passageiros, em fila, saíram do ônibus e
eu os imitei.
Então caminhei uns dois km para chegar à rua
do ouvidor, onde ficava a fundação PETROS, meu destino.
Ao sair da PETROS tomei o metrô para ir ao
Catete entregar à dona de uma “Lan House” dois emails para o jornal “O Globo”.
No metrô regressei ao Centro da cidade. O
sol quente, a temperatura de 34º obrigou-me a ir de táxi para a Av. Churchil onde
fica o ponto de ônibus para a Ilha. Era 1h30.
Ao chegar à ilha o calor era escaldante, tomei
um táxi e me dirigi ao endereço onde moro provisoriamente.
Estava cansado. Deitei-me. Dormi toda a tarde.
Acordei me às 20h, supondo que fosse 5h da
manhã.
Vesti-me, desci as escadas e ao chegar no
portão a rua estava estranhamente escura.
Chamei
o porteiro que me informou ser 20h.
Voltei para o apartamento, vesti o pijama e
iniciei a redação desta crónica.
O que me ocorreu foi nitidamente um ato de
amnésia.
Preciso, urgentemente, consultar um
neurologista.